Miyslaine Alves de Souza
Na atualidade, a intensificação dos riscos permeia todas as esferas da vida cotidiana, caracterizando o que sociólogos descrevem como a “sociedade de risco”. Neste cenário, onde incertezas e vulnerabilidades estão em constante crescimento, a necessidade de proteção torna-se cada vez mais evidente e imprescindível.
Dentre as principais formas de mitigar esses riscos, destacam-se os seguros, mecanismos cruciais para a transferência e diluição das responsabilidades financeiras decorrentes de sinistros. Com a evolução do mercado segurador, novas regulamentações são implementadas com o objetivo de aperfeiçoar a proteção oferecida aos segurados e garantir maior segurança jurídica para as partes envolvidas.
Nesse contexto, a Circular da Susep nº 637/2021 introduziu mudanças significativas nas apólices de seguro, especialmente no que tange à cláusula de retroatividade, uma ferramenta que permite ao segurado estender a cobertura para eventos ocorridos antes da contratação do seguro.
Este artigo busca analisar os impactos da cláusula de retroatividade nos seguros de responsabilidade civil, à luz das novas diretrizes estabelecidas pela referida circular.
Segundo preleciona a professora Bárbara Bassani Souza (2021), o seguro de responsabilidade civil cobre as perdas e danos que o segurado deve pagar a terceiros. Sua principal função é indenizar o segurado, protegendo seu patrimônio. Esse tipo de seguro está diretamente ligado ao conceito de responsabilidade civil, pois a cobertura só é válida se o segurado for responsabilizado pelo dano causado a um terceiro. Sem essa responsabilização, não há garantia de cobertura no âmbito dos seguros de responsabilidade civil.
É importante destacar que do ponto de vista regulatório, existiam normativos referentes ao seguro de responsabilidade civil facultativo, entre os quais destacam-se: (i) à Circular Susep nº 437/2012, referente ao seguro de responsabilidade civil geral; e (ii) à Circular Susep nº 553/2017, referente ao seguro de responsabilidade civil dos diretores e administradores (D&O).
Todas as Circulares mencionadas acima, foram revogadas em setembro de 2021, com a entrada em vigor a Circular Susep nº 637/2021, que dispõe sobre os seguros do grupo responsabilidades, objetivando a simplificação das regras vigentes até então e, a unificação dos seguros de responsabilidade em um único normativo, podendo ser classificado sob a modalidade à base de ocorrência (occurrence basis), à base de reclamações (claims made basis) e à base de reclamações (claims made basis), com notificações.
Nesse sentido, salienta-se que uma das principais alterações decorrentes da entrada em vigor da Circular de 2021, é a disposição acerca da cláusula de retroatividade, prevista em todos os contratos de seguro, a qual possibilita a extensão de cobertura a fatos pretéritos ao termo inicial da vigência da apólice.
Em especial, quanto ao RC de apólice na modalidade reclamação, anteriormente regido pela Circular nº 336 e 348/2007, em que a data limite de retroatividade ou data de retroatividade de cobertura apresentava-se como “data igual ou anterior ao início da vigência da primeira de uma série sucessiva e ininterrupta de apólices à base de reclamações”.
Por sua vez, o art. 22 da Circular nº 637/2021, ao contrário do disposto acima, prevê que na hipótese de renovações sucessivas com uma mesma sociedade seguradora, é obrigatória apenas a concessão do período de retroatividade correspondente à vigência da apólice imediatamente anterior.
Em outras palavras, na vigência da Circular nº 637/2021, a retroatividade até a data da primeira apólice contratada, não mais se tem por obrigatória, sendo prevista apenas a obrigatoriedade da retroatividade até o início da vigência da apólice imediatamente anterior.
Questões estas, que só podem ser alteradas mediante condições negociadas entre as partes (seguradora e segurado), conforme previsto pela Resolução nº 407/2021 do CNSP, resguardando o tratamento paritário e intervenção excepcional do regulador.
Deste modo, conclui-se que a implementação da Circular Susep nº 637/2021 trouxe uma mudança crucial na abordagem da cláusula de retroatividade nas apólices de seguro de responsabilidade civil. A limitação da retroatividade à vigência da apólice imediatamente anterior, salvo negociação em contrário, representa um ajuste significativo nas garantias oferecidas aos segurados.
Essa modificação exige maior atenção tanto por parte dos segurados, que devem estar cientes das novas condições de cobertura, quanto das seguradoras, que precisam adequar suas práticas contratuais à nova regulamentação, garantindo transparência e segurança jurídica nas relações estabelecidas.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Superintendência de Seguros Privados. Circular SUSEP nº 637, de 27 de julho de 2021. Dispõe sobre os seguros do grupo responsabilidades. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 28 jul. 2021.
BRASIL. Superintendência de Seguros Privados. Circular SUSEP nº 336, de 22 de janeiro de 2007. Dispõe sobre a operacionalização das apólices de seguro de responsabilidade civil à base de reclamações (“claims made basis”). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 25 jan. 2007.
BRASIL. Superintendência de Seguros Privados. Circular SUSEP nº 348, de 01 de agosto de 2007. Altera dispositivos da Circular SUSEP nº 336/2007, Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 06, ago. 2007.
BRASIL. Superintendência de Seguros Privados. Resolução CNSP nº 407, de 29 de março de 2021. Dispõe sobre os princípios e as características gerais para a elaboração e a comercialização de contratos de seguros de danos para cobertura de grandes riscos. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 31, mar. 2021.
SOUZA, Bárbara Bassani de. Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. TJRS. 2021. Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/novo/centro-de-estudos/wp-content/uploads/sites/10/2021/08/SEGURO-DE-RESPONSABILIDADE-CIVIL-PROFISSIONAL.pdf. Acesso em: 22 de ago. 2024.