Leticia Pereira Suave
O adimplemento substancial não está expressamente previsto na legislação brasileira, mas sua aplicação é reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência, principalmente com base nos princípios da boa-fé e da função social do contrato, que são fundamentais no Código Civil.
Este se refere à situação em que a parte contratante cumpre de forma significativa as obrigações que lhe cabem, deixando pendentes apenas aspectos secundários ou de menor relevância. Nesses casos, ainda que não haja o cumprimento total, o devedor não deve ser considerado inadimplente de maneira que justifique a resolução do contrato.
O adimplemento substancial é amparado por princípios importantes do direito contratual, como o princípio da boa-fé que impõe às partes contratantes a obrigação de agir com lealdade, honestidade e respeito mútuo ao longo da relação contratual. O reconhecimento do adimplemento substancial está alinhado com esse princípio, na medida em que impede que uma parte se valha de uma falta insignificante da outra para se furtar do cumprimento de suas próprias obrigações ou obter uma vantagem desproporcional.
Assim como, a função social do contrato, que reforça que os contratos devem ser interpretados e executados de forma a cumprir uma função social, promovendo a justiça e a equidade nas relações. Nesse sentido, a aplicação do adimplemento substancial busca preservar o equilíbrio contratual e evitar que um contrato seja resolvido por motivos triviais, o que poderia gerar insegurança jurídica e desestabilizar as relações econômicas.
Ainda, a aplicação do adimplemento substancial também está ligada aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, que exigem que as consequências jurídicas impostas em caso de inadimplemento sejam proporcionais à gravidade da falta cometida. Quando o devedor cumpre substancialmente suas obrigações, a resolução do contrato seria uma medida desproporcional e, portanto, incompatível com esses princípios.
Neste sentido, os tribunais brasileiros têm aplicado o conceito de adimplemento substancial em diversas ocasiões, analisando caso a caso para determinar se a falta de cumprimento total justifica ou não a resolução do contrato. Um exemplo é o julgamento do Recurso Especial nº76.362, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que se reconheceu que, diante do adimplemento substancial, não é cabível a resolução do contrato, mas apenas a exigência do cumprimento da parcela remanescente ou a compensação por eventuais perdas.
Embora o adimplemento substancial seja um mecanismo de proteção ao devedor que tenha cumprido a maior parte de suas obrigações, ele não exime o devedor de cumprir integralmente o contrato. A parte credora pode exigir a complementação do cumprimento, requerer indenização por danos causados pelo cumprimento parcial ou descontar o valor correspondente à parte não adimplida.
Entretanto, o adimplemento substancial não pode ser invocado em todos os casos. Sua aplicação é restrita a situações em que a parte não cumprida não afeta o núcleo essencial do contrato.
Por fim, o adimplemento substancial serve como um importante equilíbrio nas relações contratuais, promovendo a estabilidade e a segurança jurídica. Este evita que o contrato seja desfeito por pequenas falhas que não comprometem seu objetivo principal, reforçando a ideia de que o direito deve buscar soluções justas e proporcionais para os conflitos que surgem nas relações jurídicas. Ao respeitar o adimplemento substancial, o Judiciário também protege a boa-fé e a confiança entre as partes, fundamentais para o desenvolvimento saudável das relações econômicas e sociais.