Luana Moreira Martins
Nos últimos anos, a dinâmica do varejo tem passado por transformações significativas, impulsionadas pela mudança nos hábitos de consumo e pela expansão do comércio eletrônico. Nesse cenário, os shopping centers têm se esforçado para se adaptar e permanecer relevantes. Uma das estratégias centrais para essa adaptação é a reavaliação e o ajuste do tenant mix.
O tenant mix, ou mix de locatários, refere-se à combinação de diferentes tipos de lojas e serviços presentes em um shopping center. Essa composição é crucial para a atração e retenção de clientes, pois busca criar uma experiência de compra diversificada e atraente. Tradicionalmente, os shopping centers priorizavam o varejo de moda e eletrodomésticos, mas a tendência recente tem sido dar maior ênfase a setores como alimentação, serviços e entretenimento, buscando atender às novas demandas dos consumidores, que valorizam experiências mais completas e convenientes.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se posicionou sobre uma questão controversa envolvendo a instalação de um restaurante japonês em frente a outro similar dentro de um shopping no Rio de Janeiro. A decisão, tomada por maioria de votos, concluiu que o shopping não cometeu nenhuma irregularidade ao permitir a abertura do novo estabelecimento.
No entanto, essa visão diverge das decisões anteriores em primeira e segunda instâncias, onde o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) entendeu que houve uma violação do tenant mix, resultando na condenação do shopping ao pagamento de indenização ao lojista. O caso gerou debates sobre a aplicabilidade das cláusulas contratuais e as expectativas de exclusividade ou preferência que alguns lojistas acreditavam ter ao operar dentro de um shopping center.
Essas discussões trazem à tona discussões relacionadas aos contratos entre lojistas e administradores de shoppings, isso porque, a Lei nº 8.245/91, que regula as locações, prevê em seu artigo 54 que as condições pactuadas entre as partes têm primazia, conferindo liberdade para que as partes estipulem suas próprias regras. Contudo, essa liberdade contratual deve ser harmonizada com os princípios gerais do direito civil, incluindo a função social do contrato e a proteção da livre concorrência.
Os contratos de locação em shopping centers são considerados atípicos e complexos, englobando uma variedade de cláusulas que vão além do mero aluguel do espaço. Essas cláusulas frequentemente abordam questões como a divisão de despesas comuns, políticas de marketing e a gestão do mix de lojas, todas com o objetivo de manter o shopping atrativo e competitivo.
Entre os elementos contratuais, a cláusula de exclusividade merece destaque, pois ela garante ao lojista o direito de ser o único a oferecer determinado produto ou serviço dentro do shopping. No entanto, sua aplicação irrestrita pode colidir com o princípio da livre concorrência e a função social do contrato, exigindo uma interpretação cuidadosa e, justamente por isso, é fundamental que essa cláusula seja clara e específica, evitando ambiguidades que possam levar a litígios.
O recente julgamento do STJ reforça a necessidade de clareza nos contratos de locação em shopping centers e evidencia a complexidade dessas relações. A decisão serve como um precedente importante, sublinhando que as cláusulas de exclusividade devem ser interpretadas de maneira restritiva e que a adaptação às mudanças de mercado é essencial para a sustentabilidade dos shoppings.