João Victor Fonseca
Se encontra em trâmite a elaboração do projeto de reforma do Código Civil, que tem como objetivo modernizar este diploma legal, prevenindo sua obsolescência e positivando entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que já foram pacificados.
A elaboração do anteprojeto da mencionada reforma foi incumbido à diversas subcomissões de juristas qualificados, voltados ao desenvolvimento da redação que irá compor o novo Código Civil.
A comissão de responsabilidade civil, integrada pelo subrelator Nelson Rosenvald, pela Ministra do STJ Isabel Gallotti e pela juíza do Tribunal de Justiça de Goiás Patrícia Carrijo, apresentou uma proposta conjunta ao plenário da comissão, a qual foi acolhida por unanimidade.
Dentre as mudanças sugeridas, reputa-se ser de elevada relevância a alteração na redação do artigo 186, que apesar de pequena, enseja múltiplas mudanças práticas, refletidas no restante do texto legislativo.
Na redação atual do Código Civil, o referido dispositivo legal dispõe que comete ato ilícito aquele que violar direito alheio, causando dano a outrem, seja por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência.
Assim, o legislador do Código Civil de 2002 criou uma relação de interdependência entre a ocorrência de ato ilícito e a presença efetiva do dano, colocando o segundo como se fosse elemento caracterizador do primeiro.
Esta definição de ato ilícito, um conceito primordial da responsabilidade civil, tem reflexos em toda a matéria, sendo necessário compreendê-la para melhor entendermos suas consequências práticas.
Todavia, importante ressaltar que ato ilícito e dano são conceitos fundamentalmente distintos, sendo que a confusão entre eles impede a compreensão e enfrentamento de situações que apresentam certos nuances no caso concreto.
Isto porque, ao contrário do que institui a redação atual do artigo 186, do Código Civil, ato ilícito é simplesmente toda conduta que viola direito alheio, mediante ação ou omissão, negligência ou imprudência, sendo este o único elemento necessário para a sua caracterização. Já o dano é meramente o resultado prejudicial advindo do ato antijurídico praticado.
Um dos principais exemplos em que o entendimento inadequado do Código Civil atual se manifesta na prática pode ser constatado no caso das tutelas provisórias, as quais, atualmente, dependem da comprovação de dano.
Portanto, a distinção entre ato ilícito e dano é fundamental para a compreensão da chamada tutela inibitória, figura que deverá ser positivada com a aprovação do anteprojeto de reforma.
A tutela inibitória é um instituto legal genuinamente preventivo, no sentido de que antes mesmo da configuração de qualquer tipo de dano, este instituto legal impede a prática, continuidade ou repetição de um ato ilícito.
Rememora-se que a tutela inibitória não é um conceito novo, já havendo menção à sua possibilidade na Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), em seus artigos 11 e 87, bem como no Código de Processo Civil de 1973, em seu artigo 461, e até mesmo no Código de Processo Civil atual, em seu artigo 497, o qual deixa claro ser irrelevante a comprovação de dano para seu deferimento.
Ante o exposto, a comissão de responsabilidade civil apresentou a sugestão da inclusão do artigo 927-A ao Código Civil, sedimentando a obrigação de sejam tomadas providências a fim de evitar situações de risco que possam vir a causar danos, fazendo menção indireta ao princípio “alterum non laedere”.
No entanto, são nos parágrafos 3º e 4º do artigo 927-A que a tutela provisória foi expressamente disposta no anteprojeto, sendo definida como uma tutela preventiva do ilícito, visando a inibição da ilegalidade em si, sem vinculá-la à ocorrência de dano, culpa ou dolo, podendo ser alcançada por todas as providências legalmente admitidas, desde que resguardadas a menor restrição possível e a preferência aos meios adequados à uma maior eficácia.
Conclui-se que a simples alteração da redação do artigo 186, do Código Civil, traria diversas ramificações e reflexos na prática, sendo uma mudança importante para a instituição da chamada tutela inibitória, a qual possibilita a proteção de direitos que já foram, ou estão na iminência, de serem violados, evitando com elevada efetividade a ocorrência de dano à outrem.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Anteprojeto de lei para revisão e atualização da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil. Dispõe sobre a atualização da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e da legislação correlata. Senado Federal, Brasília, DF. Disponível em <https://www12.senado.leg.br/assessoria-de-imprensa/arquivos/anteprojeto-codigo-civil-comissao-de-juristas-2023_2024.pdf>, acesso em 25/08/2024;
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002.Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm?ref=blog.suitebras.com. Acesso em: 25/08/2024;
BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm. Acesso em: 25/08/2024;
BRASIL. Lei nº 13105, de 16 de março de 2015. Lei nº 13.105 de 16/03/2015. Diário Oficial da União, 17 de março de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 25/08/2024.