Isabella Botan
Uma das principais alterações realizadas pela Lei 14.112/2020 à Lei 11.101/2005, certamente foi a introdução do instituto da conciliação e mediação para resolução de conflitos relacionados à Recuperação de Empresas e Falência, inclusive de maneira antecedente ou incidental, com a Seção II-A “Das Conciliações e das Mediações Antecedentes ou Incidentais aos Processos de Recuperação Judicial”, inteiramente dedicada ao incentivo da conciliação e mediação no procedimento recuperacional.
De acordo com o art. 20-B, as inovações trazidas pela Lei admitem a realização de conciliação e mediação nas seguintes oportunidades: (i) as fases pré-processual e processual de disputas entre os sócios e acionistas de sociedade em dificuldade ou em recuperação judicial, bem como nos litígios que envolverem credores não sujeitos à recuperação judicial, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei, ou credores extraconcursais; (ii) em conflitos que envolverem concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e órgãos reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais;; (iii) na hipótese de haver créditos extraconcursais contra empresas em recuperação judicial durante período de vigência de estado de calamidade pública, a fim de permitir a continuidade da prestação de serviços essenciais; (iv) na hipótese de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, em caráter antecedente ao ajuizamento de pedido de Recuperação Judicial.
Destaca-se que, a referida negociação, em caráter antecedente, pode permitir que o devedor equalize seu passivo exigível ou garanta novas formas de financiamento, evitando todo o procedimento da Recuperação Judicial ou Extrajudicial. Ainda, conta com a possibilidade de concessão de tutela de urgência em caráter antecedente, que consistirá em suspensão das execuções pelo prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias, evitando-se, de certa forma, que o devedor, através de medidas cautelares, impeça eventuais credores de prosseguir com o exercício regular de seu direito, isto é, os meios de satisfação do crédito.
Para concessão da referida tutela, o devedor deve preencher os requisitos legais exigidos para o pedido de Recuperação Judicial, à luz do art. 48 da Lei 11.101/2005, além da apresentação de toda a documentação prevista no art. 51 do mesmo diploma legal. Caso haja posterior pedido de Recuperação Judicial ou Recuperação Extrajudicial, o prazo de 60 (sessenta) dias deverá ser deduzido do prazo de blindagem que versa o art. 6 da Lei 11.101/2005.
A vedação legal expressa na Lei 11.101/2005, refere-se exclusivamente a conciliação e mediação sobre as verificações de crédito – existência, natureza jurídica, classificação e quantificação. Isto porque, eventual composição não pode onerar ainda mais o devedor. No entanto, nada impede a concordância mútua das partes, desde que não prejudique os demais credores. Se prejudicial, o d. Administrador Judicial e o Juízo competente podem obstar retificações no Quadro Geral de Credores, exceto se estiverem acompanhadas de provas contundentes acerca da natureza do crédito e sua classificação.
Afora a isto, é permitida a mediação e conciliação nos casos de incidentes de habilitação/impugnação de crédito, para que o devedor e os credores cheguem em um consenso quanto ao valor do crédito, na negociação do Plano de Recuperação Judicial, sem que prejudique o interesse dos credores e sem que ocorram diversas suspensões de Assembleia Geral de Credores. No mais, os critérios de votação em conclave são inegociáveis, por se tratar de matéria de ordem pública – os métodos de resolução de conflitos não possuem aplicação.
A homologação dos acordos pactuados por intermédio da conciliação ou da mediação, nos termos do art. 20-C, deverá ser homologado pelo Juiz competente, desde que não viole normas de ordem pública e/ou interesse de terceiros nos procedimentos de insolvência. Caso após 360 (trezentos e sessenta) dias o devedor ajuíze pedido de Recuperação Judicial ou Extrajudicial, sem prejuízo dos demais credores, a obrigação novada por intermédio do acordo estabelecido em conciliação ou mediação, será reconstituída conforme originalmente contratada.
As mediações e conciliações podem ocorrer por meio virtual, nos termos do art. 20-D da Lei 11.101/2005 e possuem o objetivo precípuo de fomentar e promover a harmonização de conflitos através de métodos alternativos antes e/ou durante os procedimentos concursais e tornar as negociações mais céleres e efetivas, de modo a atribuir, cada vez mais, às partes envolvidas (devedor e credores), o poder de solucionar, de forma convergente, eventuais litígios.
Por fim, os procedimentos de conciliação e mediação deverá ser estabelecido entre as partes no CEJUSC – Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania, presencialmente ou virtualmente, a critério das partes interessadas.
Isto posto, é possível constatar que, as alterações realizadas na Lei de Recuperação e Falência para adoção de medidas de autocomposição pode também contribuir para alcançar os princípios subjacentes do Sistema de Insolvência, esculpidos no art. 47 do referido diploma legal, quais sejam: viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
REFERÊNCIAS:
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresa e falência. 5. São Paulo: Saraiva Jur, 2024.
GUIESELER JUNIOR, Luiz Carlos. Recuperações judicial e extrajudicial: um manual de acordo com a Lei n. 11.101/2005 e sua reestruturação pela Lei n. 14.112/2020. Editora Intersaberes, 2021.