Georgia Regina Rosa
A questão em debate insere-se em um contexto jurídico-administrativo complexo, especialmente no âmbito do Direito Ambiental brasileiro. A Lei Complementar nº 140/2011, que regulamenta a cooperação entre os entes federativos nas questões ambientais, estabelece diretrizes claras para a distribuição de competências, garantindo que o poder de polícia ambiental seja exercido de maneira eficaz e coordenada. Mencionada lei, ao desenhar um modelo federativo ecológico, reafirma a importância da uniformidade decisória e da cooperação entre os diferentes níveis de governo, elementos cruciais para a proteção do meio ambiente e a eficácia na fiscalização das atividades potencialmente poluidoras.
O artigo 17 da Lei Complementar 140/2011 dispõe especificamente que compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização de uma atividade ou empreendimento a lavratura do auto de infração ambiental e a instauração do respectivo processo administrativo. Essa norma visa evitar conflitos de competência e garantir que a fiscalização e a aplicação de sanções sejam realizadas por órgãos que possuem conhecimento técnico e jurisdição sobre a atividade licenciada. Dessa forma, mesmo que outros entes federativos possam exercer atividades de fiscalização, prevalece o auto de infração lavrado pelo órgão que detém a competência para o licenciamento ou autorização ambiental.
Em situações de dupla autuação, onde tanto o órgão licenciador quanto outro ente federativo lavram autos de infração sobre o mesmo fato, a legislação e a jurisprudência brasileira têm reforçado a prevalência do auto de infração lavrado
1 Georgia Regina Rosa. Bacharel em Direito. Pós-Graduada em MBA em Gestão Tributária pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo – USP. Advogada atuante na área tributária e ambiental empresarial.
pelo órgão licenciador. Essa prerrogativa se baseia na lógica de que o órgão licenciador, por ser o responsável pelo acompanhamento e pela autorização da atividade, possui maior conhecimento sobre as condicionantes ambientais impostas e sobre o cumprimento das mesmas. Além disso, o órgão licenciador está em posição mais adequada para avaliar a gravidade das infrações e aplicar as sanções proporcionais.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.757, confirmou a constitucionalidade do dispositivo que assegura a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão licenciador, desde que não haja omissão ou insuficiência na sua atuação fiscalizatória. A decisão destaca que a atuação supletiva de outro ente federativo só se justifica em casos de comprovada falha na atuação do órgão licenciador, o que não ocorre na ausência de prova contundente de omissão ou insuficiência. Assim, o critério de prevalência estabelecido na Lei Complementar nº 140/2011 é uma medida que busca assegurar a eficiência da fiscalização ambiental, evitando a sobreposição de autuações e garantindo que as sanções sejam aplicadas por quem detém a atribuição e o conhecimento técnico necessários.
Conclui-se, portanto, que a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão licenciador em casos de dupla autuação é um princípio que busca garantir a racionalidade e a eficácia na fiscalização ambiental. Esse princípio se alinha à necessidade de uma gestão ambiental coordenada e tecnicamente informada, onde o órgão que emite a licença é também o mais apto para monitorar e sancionar eventuais descumprimentos. Assim, a legislação e a jurisprudência brasileiras asseguram que a fiscalização ambiental seja exercida de forma ordenada, evitando conflitos de competência e garantindo a proteção efetiva do meio ambiente.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei Complementar 140 de 8 de dezembro de 2011. Fixa normas, […], para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum
relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. Brasília, DF: 2011. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp140.htm. Acesso em: 29 ago. 2024.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4757, Relatora: Ministra Rosa Weber, julgado em 13 de dezembro de 2022. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 17 mar. 2023.