Aldemir Marques Inacio Junior*
A recente decisão da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) trouxe uma interpretação relevante sobre a manutenção da natureza prioritária dos créditos trabalhistas, mesmo após a sua cessão. Em contrapartida a uma decisão anterior, o tribunal afastou o limite global de 150 salários-mínimos para o reconhecimento desses créditos como prioritários, aplicando-o de forma individual para cada crédito cedido.
Em setembro de 2006, foi decretada a falência de três empresas, envolvendo diversos credores trabalhistas. Um cessionário, que adquiriu créditos trabalhistas de oito credores distintos, contestou judicialmente a decisão que limitava, de forma global, a classificação desses créditos como prioritários, impondo um teto de 150 salários-mínimos para todos os créditos somados. Tal limitação implicava na reclassificação do saldo remanescente como crédito quirografário, que possui menor prioridade na fila de pagamento da massa falida.
O cessionário argumentou que a decisão violava seus direitos, pois adquirira créditos de diferentes trabalhadores, cada um com um valor específico. Segundo ele, a limitação deveria ser aplicada de forma individual a cada crédito cedido, e não de maneira global.
O desembargador Grava Brazil, relator do caso, destacou em seu voto que a Lei nº 14.112/20, que alterou a Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº 11.101/05), revogou o § 4º do art. 83, que anteriormente permitia a reclassificação dos créditos trabalhistas cedidos como quirografários. A nova redação do § 5º do mesmo artigo estabelece que os créditos cedidos devem manter sua natureza e classificação original, independentemente da cessão.
A decisão do TJ/SP acolheu o argumento do cessionário, ressaltando que aplicar o limite de 150 salários-mínimos de forma global desestimularia o mercado secundário de cessão de créditos. Esse entendimento contraria o objetivo da reforma legislativa de 2020, que buscou incentivar a livre negociação de créditos, especialmente os considerados privilegiados, como os trabalhistas.
A interpretação do TJ/SP reforça a proteção dos créditos trabalhistas cedidos, preservando sua natureza prioritária, mesmo após a cessão. O tribunal entendeu que a vontade do legislador ao alterar a legislação em 2020 foi justamente a de promover o mercado de compra e venda de créditos falimentares sem impor limitações ou prejuízos ao cessionário. Ao aplicar o limite de 150 salários-mínimos individualmente para cada crédito cedido, o tribunal assegura que o cessionário possa ocupar a posição do credor original, preservando assim os direitos trabalhistas.
Para o advogado Arthur Dias da Silva, da Mazzotini Advogados Associados, a decisão foi acertada, tratando o tema com a profundidade e sensibilidade necessárias para garantir a efetividade da legislação e a proteção dos direitos dos trabalhadores, mesmo após a cessão de seus créditos.
A decisão do TJ/SP é um marco importante na jurisprudência sobre a cessão de créditos trabalhistas. Ao reafirmar que esses créditos devem manter sua natureza prioritária mesmo após a cessão, o tribunal fortalece a segurança jurídica e o incentivo à negociação de créditos, respeitando os direitos dos trabalhadores e o propósito da reforma legislativa.