Leonardo Scodoni Delivio
Não é raro empresas com débitos tributários, executados ou não, parcelar seus débitos perante o fisco com o intuito de obter certidão de regularidade fiscal para poder exercer suas atividades ou demais operações a qual a regularidade fiscal é essencial.
É aspecto comum em todos os programas de parcelamentos tributários disponibilizados pelo fisco a necessidade de confissão irretratável e irrevogável da dívida, com a renuncia expressa do direito de discutir judicialmente os débitos incluídos no programa.
No entanto, em que pese as disposições das legislações que instituem o programa de parcelamento de débito tributário, o Código de Processo Civil dispõe expressamente sobre a impossibilidade de admitir confissão acerca de direitos indisponíveis, In verbis:
Art. 392. Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis.
§ 1º A confissão será ineficaz se feita por quem não for capaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados.
§ 2º A confissão feita por um representante somente é eficaz nos limites em que este pode vincular o representado.
Nota-se, portanto, que não podem ser confessados débitos inexistentes.
Nesta esteira, o STJ sedimentou o entendimento de que é possível a discussão de débitos confessados por parcelamento com fundamento em vícios que acarretem a nulidade do débito fiscal.
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. NULIDADE DA CDA. REDIRECIONAMENTO. ADESÃO À PROGRAMA DE PARCELAMENTO FISCAL. CONFISSÃO DE DÍVIDA. DISCUSSÃO JUDICIAL SOBRE ASPECTOS JURÍDICOS DO CRÉDITO EXCUTIDO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1.
Este Superior Tribunal de Justiça firmou a orientação sob o rito dos recursos repetitivos de que a confissão de dívida, para efeito de adesão ao parcelamento, não impede que o devedor acione o Poder Judiciário para discutir os seus aspectos jurídicos, uma vez que os elementos da relação jurídica tributária obrigatoriamente encontram fundamento de validade na legislação ordinária e constitucional, não podendo ser afastados por simples acordo de vontade entre as partes.
2. Também é entendimento consagrado no âmbito desta Corte Superior que questões formais inerentes à constituição do crédito tributário confessado podem estar atreladas com sua validade no mundo jurídico, e nessa condição, passíveis de discussão no âmbito judicial, o que não traduz, necessariamente, uma ampliação da regra estabelecida no julgamento do precedente repetitivo em epígrafe para alcançar questionamentos sobre aspectos fáticos da dívida.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(STJ – AgInt no REsp: 1867672 MG 2019/0229163-6, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 15/02/2022, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/02/2022)
Desta feita, havendo a decretação de nulidade de um débito fiscal parcelado, é reservado ao contribuinte reaver os valores pagos indevidamente, nos termos do artigo 168, I do CTN.
Conclui-se, portanto, que a confissão de dívida prevista nos programas de parcelamento de débito tributário não é absoluta, podendo se discutir judicialmente acerca de sua nulidade, cabendo, inclusive, a restituição dos valores pagos indevidamente.
REFERÊNCIA
BRASIL. Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980.Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6830.htm. Acesso em: 27 de julho de 2024.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 27 de julho de 2024.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo interno no recurso especial. Embargos à execução fiscal. IPTU. Nulidade da CDA. Redirecionamento. Adesão à programa de parcelamento fiscal. Confissão de dívida. Discussão judicial sobre aspectos jurídicos do crédito excutido. Possibilidade. Precedentes. AgInt no REsp: 1867672 MG 2019/0229163-6. Relator: Min. OG Fernandes. 2ª Turma. Julgamento em 15 fev. 2022. Diário da Justiça eletrônico, 25 fev. 2022.