Mariana Santana Tavela
Nos anos recentes, o sistema jurídico brasileiro experimentou significativas alterações no setor das empresas, influenciando diretamente a maneira como indivíduos e entidades se estruturam para empreender. Entre essas mudanças, destacam-se as relacionadas à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli) e à Sociedade Limitada Unipessoal, assim como a possibilidade de penhora da participação societária nesse cenário.
A Eireli foi criada no sistema jurídico brasileiro pela Lei nº 12.441/2011, que modificou os artigos 44, VI, e 980-A do Código Civil, permitindo que uma pessoa física constitua uma pessoa jurídica com responsabilidade limitada sozinha. Contudo, com a entrada em vigor da Lei nº 14.195/2021, especificamente no artigo 41, houve uma transformação automática, por força de lei, das Eirelis já existentes para sociedades limitadas unipessoais.
Esse fato resultou na revogação implícita da Eireli, como argumentado pela maioria dos especialistas, e foi formalmente confirmado pela Lei nº 14.382/2022, que revogou os dispositivos legais que regulamentavam a Eireli, consolidando a transformação para as sociedades limitadas unipessoais.
Na sociedade limitada unipessoal, todos os direitos e deveres relacionados ao capital social são atribuídos exclusivamente ao único sócio, fazendo parte de seu patrimônio pessoal. Embora a divisão do capital social em quotas seja uma característica comum nas sociedades limitadas com vários sócios, não existe uma restrição legal que proíba o fracionamento do capital social na sociedade limitada unipessoal.
Nesse cenário, em uma decisão de grande importância para o direito empresarial e as execuções judiciais, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu um julgamento que define as possibilidades e restrições da penhora da participação do devedor em uma sociedade limitada unipessoal para satisfazer as dívidas com credores particulares. O julgamento, no Recurso Especial (REsp) 1982730/SP, estabeleceu diretrizes fundamentais sobre o tema.
A interpretação estabelecida pelo colegiado é de que é viável a penhora, total ou parcial, da participação do devedor em uma sociedade limitada unipessoal, desde que se observe o caráter subsidiário da medida. Em resumo, a penhora das quotas sociais é uma opção viável, mas deve ser utilizada apenas como último recurso, quando não existem outros bens ou formas de quitar a dívida.
O relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze, esclareceu que, embora a divisão do capital social em quotas em uma sociedade limitada unipessoal possa aparentar ter pouca utilidade prática, isso não é proibido por lei, desde que todas as quotas pertençam à mesma pessoa física ou jurídica. Assim, a execução do capital social pode ocorrer, seja por meio de uma liquidação parcial, com a correspondente redução do capital, ou por liquidação total da sociedade.
É fundamental destacar que a decisão enfatiza o caráter excepcional e subsidiário da penhora de quotas sociais. Tal medida deve ser empregada apenas quando não existirem outros bens ou recursos disponíveis para saldar a dívida, conforme estipulado no artigo 1.026 do Código Civil e nos artigos 835, inciso IX, e 865 do Código de Processo Civil (CPC).
De mais a mais, o ministro Bellizze ressaltou que, se houver um saldo remanescente após o pagamento da dívida por meio da penhora das quotas sociais, esse montante deve ser restituído ao devedor, conforme estipulado no artigo 907 do CPC. Isso sublinha a necessidade de garantir que a medida seja estritamente necessária e proporcional à satisfação da dívida do credor.
A decisão da 3ª Turma do STJ fornece, portanto, esclarecimentos cruciais sobre a viabilidade da penhora da participação societária em uma sociedade limitada unipessoal, afirmando que tal medida é admissível, desde que cumpridos os requisitos legais e o princípio subsidiário da penhora. Adicionalmente, a decisão protege os direitos do devedor, garantindo que qualquer valor excedente seja adequadamente restituído.
REFERÊNCIAS