Aldemir Marques Inacio Junior
A recuperação judicial tem desempenhado um papel vital na preservação de empresas em crise no Brasil, sendo crucial para a manutenção da economia e a proteção dos empregos (Lei nº 11.101/2005). Este artigo examina a interação entre a Lei de Recuperação Judicial e a atividade das empresas agrícolas, com ênfase na proteção da safra agrícola como bem essencial durante o processo de reestruturação financeira.
A recuperação judicial é uma ferramenta jurídica essencial para empresas em crise, estabelecida pela Lei nº 11.101/2005. Este mecanismo visa a continuidade das operações empresariais, a preservação de empregos e o estímulo à atividade econômica. A lei proporciona um ambiente de renegociação de dívidas e reestruturação das operações, com o objetivo de restaurar a saúde financeira das empresas em dificuldades (Lei nº 11.101/2005), (Salomão e Santos, 2020).
A jurisprudência brasileira tem reconhecido a importância de proteger bens essenciais, como a safra agrícola, durante o processo de recuperação judicial. Decisões judiciais destacam a aplicação do princípio da preservação da empresa, conforme o artigo 47 da Lei nº 11.101/2005, e a competência do juízo da recuperação judicial para suspender constrições sobre esses bens vitais (Artigo 47, Lei nº 11.101/2005).
No REsp nº 1.991.989-MA a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) esclareceu que produtos agrícolas, como soja e milho, não se enquadram nessa categoria, No entendimento da ministra Nancy, os grãos de soja e milho são produtos finais da atividade empresarial e, portanto, não são utilizados no processo produtivo. Assim, não se enquadram na definição de bens de capital.
Entretanto, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso, por exemplo, determinou a suspensão da execução e a devolução de soja arrestada ao produtor rural em recuperação judicial, destacando que a soja cultivada era a principal fonte de renda e sustento financeiro do produtor (TJ-MT, Agravo de Instrumento nº 1003571-76.2023.8.11.0000).
A decisão de proteger ou não a safra agrícola durante a recuperação judicial tem implicações significativas para a empresa, suas comunidades locais, fornecedores e a economia regional. A produção agrícola é frequentemente utilizada como garantia em operações de crédito, como a Cédula de Produto Rural (CPR) e operações barter, que são cruciais para o acesso a financiamentos e a continuidade das atividades empresariais. (SIMÕES, 2019)
As operações barter, onde insumos agrícolas são trocados por produtos após a colheita, são comuns entre produtores de médio e pequeno porte, oferecendo segurança e liquidez sem a necessidade de refinanciamento do capital de giro.
A safra é essencial para o produtor rural, representando o principal meio de subsistência e geração de receita. A produção agrícola não apenas conclui um ciclo produtivo, mas também fornece os insumos necessários para o próximo ciclo, garantindo a continuidade das operações e a estabilidade financeira do produtor.
A compreensão profunda da dinâmica das atividades rurais e da importância dos produtos agrícolas é crucial para que os magistrados tratem a essencialidade da safra de forma individualizada, evitando decisões genéricas que possam comprometer a viabilidade das operações futuras.
A interpretação e aplicação coerente da legislação são cruciais para garantir a eficácia do processo de recuperação judicial das empresas agrícolas. A proteção da safra agrícola não apenas assegura a continuidade das atividades empresariais, mas também promove o desenvolvimento sustentável do setor agrícola brasileiro, alinhando-se aos objetivos de preservação econômica e social estabelecidos pela legislação vigente.
Assim, conclui-se que a Lei de Recuperação Judicial, quando aplicada de forma adequada e sensível às peculiaridades do setor agrícola, desempenha um papel fundamental na resolução de crises financeiras, contribuindo para a manutenção da função social das empresas e para a estabilidade econômica do país. É essencial que futuras discussões e reformas legislativas considerem esses aspectos, visando aprimorar ainda mais o arcabouço jurídico que sustenta a recuperação judicial das empresas agrícolas no Brasil.
REFERÊNCIAS:
SALOMÃO, L. F.; SANTOS, P. P. Recuperação judicial, extrajudicial e falência: teoria e prática. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
SIMÕES, André Barbosa Guanaes. Os bens essenciais à atividade empresarial na recuperação judicial. In: BRASIL, Glaucia Albuquerque; CABRAL, Taciani Acerbi Campagnaro Colnago; FIGUEIREDO, Claudete Rosimara de Oliveira; GOMES, Camila Aboud; SCALZILLI, João Carlos Lopes. (Coords.). Recuperação judicial, falência e administração judicial. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019
STJ – REsp: 1991989 MA 2021/0323123-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 03/05/2022, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/05/2022
TJ-MT – AI: 10035717620238110000, Relator: ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Data de Julgamento: 14/06/2023, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/06/2023) Disponível em: https://pje2.tjmt.jus.br/pje2/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=1f552e6e8a1fd8f26c352fc4f412748fd279e78943bf6aee.