Letícia Dorini Correia Amendola Speridião
A reforma trabalhista é um tema complexo e que gera debates acalorados, especialmente quando se discute a relação com a insegurança jurídica trazida pelas alterações legislativas abarcadas pela reforma. A insegurança jurídica pode surgir da ambiguidade na redação dos novos dispositivos ou na divergência na interpretação pelos tribunais e órgãos responsáveis pela aplicação da legislação trabalhista.
Nesse sentido, o presente artigo busca esclarecer e pontuar a insegurança jurídica trazida pela reforma trabalhista em face do direito intertemporal aplicado. O direito intertemporal se refere ao princípio jurídico que determina qual legislação deve ser aplicada a situações que ocorrem em momentos diferentes, especialmente, quando há mudanças na legislação ao longo do tempo.
O artigo 6º da LINDB dispõe que a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitado o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Esse artigo, a princípio, garante a aplicação imediata de novas leis, mas também preserva o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e decisão judicial transitada em julgado com o escopo de asseverar a segurança jurídica a estabilidade das relações jurídicas ao longo do tempo.
Em outras palavras, o referido artigo traduz a “teoria mista” em que, para os atos jurídicos perfeitos; direitos adquiridos e decisões judiciais transitadas em julgado, deve ser aplicada a lei vigente à época em que esses fatos ocorreram. Isso garante a segurança jurídica e a estabilidade das relações jurídicas, protegendo as expectativas legítimas das partes envolvidas. Para as situações novas ou em curso, a nova lei se aplica imediatamente, refletindo as mudanças legislativas e buscando adaptar o ordenamento jurídico às novas realidades sociais, econômicas e políticas.
No entanto, na esfera trabalhista a segurança jurídica que se buscava com a Reforma Trabalhista, em verdade, trouxe insegurança jurídica diante da controvérsia de entendimento quanto a aplicação das alterações legislativas em face dos contratos empregatícios que tiveram seu início antes de novembro de 2017.
Essa controvérsia de entendimento nos tribunais quanto a aplicação da Reforma Trabalhista surgiu em razão do conflito entre a aplicação imediata das alterações legislativas e os princípios da irredutibilidade salarial; da irretroatividade; da norma mais benéfica e da segurança jurídica.
Por um lado, há tribunais que não aplicam as normas de direito material trazidas pela lei nº 13.467/17 aos contratos encerrados, ou firmados antes de sua vigência, ainda que estejam em curso; de outra banda, há tribunais que aplicam as alterações legislativas, limitando a aplicação após o início da vigência da Reforma. Ambas as vertentes se fundamentam justamente no artigo 6º, da LINDB.
Um exemplo prático em relação a essa controvérsia, que persiste no ordenamento jurídico até os dias atuais, se trata do direito às horas in itinere. As horas in itinere se traduzem pelo direito do empregado ao pagamento de horas extras pelo tempo despendido desde sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno.
Esse direito era assegurado aos empregados que laboravam em local de difícil acesso, ou seja, que era necessário o fornecimento do transporte pelo empregador, uma vez que não havia transporte público regular naquele local; contudo, com o advento da Reforma Trabalhista, esse direito “deixou de existir”.
Diante disso, há tribunais que, quando constatado que o contrato foi firmado antes do início da vigência da Reforma condenam os empregadores a pagar o empregado até a data da publicação das alterações da lei celetistas, de sorte a excluir esse direito em período posterior. Em contrapartida, há tribunais condenando empregadores mesmo após a Reforma Trabalhista sob o fundamento de que se trata de direito adquirido.
Ante o exposto, a controvérsia deverá ser dirimida pela Subseção Especializada de Dissídios Individuais 01, do Tribunal Superior do Trabalho; e, eventualmente, pelo Supremo Tribunal Federal, com o escopo de uniformizar o entendimento para promover a segurança jurídica quanto ao tema.