Isabela Chiquetti Fazam
A Lei nº 11.101/2005, que regula a Recuperação Judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, também assegura ao produtor rural a possibilidade do mesmo de superar a crise econômico-financeira, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora e o emprego dos trabalhadores.
A princípio, a Lei de Recuperação Judicial e Falências não incluía explicitamente os produtores rurais como beneficiários potenciais do processo de recuperação judicial. No entanto, com a crescente importância do agronegócio na economia brasileira e a evolução jurisprudencial, os tribunais começaram a admitir tal possibilidade gerando inclusive alterações na legislação.
O STJ desde 2018 vem reconhecendo que o produtor rural, ainda que não tenha inscrição no CNPJ ou não esteja registrado como empresário, pode requerer recuperação judicial, desde que comprove a atividade rural por período superior a dois anos.
Para Sacramone, 2019, a recuperação judicial do produtor rural pessoa física representa uma adaptação da legislação para contemplar as peculiaridades do setor agrícola, essencial à economia brasileira.
No caso do produtor rural, a Lei nº 11.101/2005 assim como a Lei nº 14.112/2020 trazem em seu diploma legal particularidades que diferem dos processos aplicáveis a outras empresas, especialmente no que diz respeito aos créditos que podem ou não ser incluídos na recuperação.
1Isabela Chiquetti Fazam, Bacharel em Direito pelo Instituto Catuaí De Ensino Superior, Pós Graduada em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná. Advogada no setor de Recuperação Judicial da empresa Federiche Mincache Advogados Associados.
Assim como no processo de recuperação judicial das demais empresas, o empresário rural ao ingressar com o pedido deve listar todos os créditos existente e devidos, respeitando as classes pertencentes: créditos trabalhistas (classe I), créditos com garantia real (classe II), créditos quirografários (classe III) e créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte (classe IV).
A exclusão de certos créditos na recuperação judicial do produtor rural é uma questão de grande importância pois impacta diretamente no fluxo de caixa do produtor bem como no valor da dívida a ser reestruturada. A lei define que alguns tipos de créditos não podem ser incluídos no plano de recuperação judicial. Isso inclui créditos tributários, créditos trabalhistas e acidentários, dividas com garantia real, créditos rurais vinculados ao financiamento de safras e créditos de cooperativa de credito.
Os débitos fiscais como impostos, taxas e contribuições de qualquer natureza, exceto em situações específicas que permitam a inclusão desses créditos, não são abrangidos na Recuperação Judicial, pois são regidos por legislações específicas. No entanto, o produtor rural pode buscar parcelamentos especiais junto ao fisco.
Embora não sejam excluídos, os créditos trabalhistas têm prioridade na ordem de pagamento, até o limite de 150 salários mínimos por trabalhador, e devem ser pagos em até um ano após a aprovação do plano de recuperação. A exclusão aqui pode referir-se a valores acima do limite ou casos específicos de decisões judiciais.
Para os créditos com garantia real, como hipotecas e penhores, a exclusão ocorre de forma parcial. Os credores com garantias reais têm preferência sobre os bens dados em garantia e podem optar por não participar da recuperação judicial ou podem participar até o valor da garantia.
Créditos originados de contratos de parceria ou arrendamento rural, que envolvem relações de trabalho e produção na propriedade rural, podem ser excluídos do processo de recuperação judicial. Há discussões jurídicas sobre a
exclusão ou não desses créditos, especialmente em casos onde o financiamento é diretamente vinculado à produção agrícola, o que pode incluir títulos como CPR.
A jurisprudência dos tribunais em relação a manutenção de tais créditos na recuperação judicial não é pacifica, variando o entendimento em cada Tribunal, entretanto, em muitos casos o entendimento é no sentido de proteger tais contratos para assegurar a continuidade da produção agrícola haja vista que trata-se de bens essenciais para manutenção das atividades do produtor rural.
Por fim, a recuperação judicial para produtores rurais é uma ferramenta valiosa para a preservação de atividades econômicas essenciais, especialmente em um país onde o agronegócio desempenha um papel crucial na economia como o Brasil. No entanto, a questão dos créditos excluídos do plano de recuperação representa um desafio que requer atenção contínua e, possivelmente, uma reforma legislativa para proporcionar maior clareza e segurança jurídica.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.
BRASIL. Lei nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020. Altera as Leis nºs 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, 10.522, de 19 de julho de 2002, e 8.929, de 22 de agosto de 1994, para atualizar a legislação referente à recuperação judicial, à recuperação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária.
STJ, REsp 1.800.032/MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 09/10/2018.
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. “Manual de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência”. São Paulo: Saraiva, 2019