Leonardo César Costa
Em reconhecimento à função social e ao princípio da preservação da empresa, a Recuperação Judicial tem como finalidade viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira dos empresários individuais e das sociedades empresárias, em estímulo à manutenção da atividade econômica. Para tanto, cria-se um ambiente adequado para que exista uma negociação equilibrada e transparente entre o devedor e seus credores, garantindo a adequação dos interesses envolvidos no processo.
Ocorre que, muito embora a Lei nº 11.101/05 desde sua essência assentasse expressamente que o soerguimento das empresas em recuperação, além de prezar pelos credores privados, também deveria abarcar a equalização de seu passivo fiscal, a realidade prática ainda se limitava a um modelo de incentivo à postergação do interesse do Fisco, contribuindo para o acúmulo de irrecuperáveis dívidas tributárias no dorso de empresas inseridas em processo de Recuperação Judicial.
Somado a isso, a instabilidade jurisprudencial acerca da (in)exigibilidade da certidão de regularidade fiscal e da disposição dos atos constritivos perante as Execuções Fiscais vinculadas ao sujeito inserido na Recuperação Judicial também contribuiu efetivamente para o surgimento de um dualismo entre o crédito tributário e o devedor em recuperação judicial. Assim, restou evidenciado o embate entre o princípio da efetividade da cobrança fiscal e da preservação das empresas.
Entretanto, com a recente regulamentação da transação tributária e dos avanços perpetrados com a reforma da Lei de Falências e Recuperação Judicial, surgem novos alicerces hábeis a ampliar não apenas a oportunidade de se buscar saídas consensuais ao presente problema, mas também de tornar tangíveis dívidas que antes eram vistas como absolutamente insuperáveis
A transação tributária, regulamentada pela Lei 13.988/20, emerge como um mecanismo eficaz para a resolução de conflitos entre o Fisco e as empresas em recuperação judicial. Esse instrumento permite a negociação das dívidas tributárias, proporcionando maior flexibilidade e segurança jurídica para as partes envolvidas. A viabilidade da transação como meio adequado à resolução dos conflitos entre a Fazenda e as Recuperandas e sua ampliação com a reforma da LRJF é evidente, visto que essa medida não só amplia as possibilidades de negociação, mas também fomenta um ambiente mais propício para a recuperação empresarial.
A Lei 14.112/20, que trouxe importantes alterações à LRJF, visa facilitar a recuperação das empresas e promover um ambiente mais favorável à negociação de dívidas, incluindo créditos tributários. A principal inovação reside na possibilidade de inclusão dos créditos tributários no plano de recuperação judicial, permitindo uma maior integração entre o Fisco e os demais credores, e contribuindo para a superação do dualismo anteriormente existente.
A superação do dualismo entre o crédito tributário e a recuperação judicial é um desafio que demanda uma abordagem equilibrada e inovadora. As reformas legislativas recentes e a regulamentação da transação tributária representam passos significativos na direção correta. A harmonização desses interesses é essencial para garantir a viabilidade das empresas e a preservação da economia nacional.
As novas alternativas estão aí para romper com essa inefetividade e abrir portas para saídas que se alinhem à cooperatividade e coloquem em evidência a atuação diligente dos envolvidos nos espaços negociais propostos. Por todo o exposto, conclui-se que os dias da vigência desse dualismo estão contados. Mas, para a sua superação, não basta a oferta de mecanismos reparatórios; é preciso que os interessados, prejudicados por esse distanciamento, utilizem dessas saídas que lhes estão sendo disponibilizadas e, assim, contribuam efetivamente para a supressão do problema, o que demandará um certo tempo até o alcance da sua integral efetivação.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Tiago Luiz de Moura. O crédito tributário na recuperação judicial: um novo paradigma na participação da Fazenda Pública no saneamento da situação de crise da devedora. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/credito-tributario-recuperacao-judicial-26042021. Acesso em: 18 jul. 2024.
BRASIL, Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Lei de Recuperação Judicial e Falência. Diário Oficial, Brasília, 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 18 jul. 2024.
BRASIL. Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020. Dispõe sobre a transação nas hipóteses que especifica. Diário Oficial da União, Brasília, 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13988.htm. Acesso em: 18 jul. 2024.
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas. São Paulo: Saraiva, 2013.
ZUGMAN, 2021 Daniel apud CERIONI, Clara. Para especialistas, transação é um bom caminho para empresas em recuperação judicial: instrumento tem sido aliado de empresas com dificuldades financeiras e benéfica também para a PGFN. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/contencioso-tributario/para-especialistastransacao-e-um-bom-caminho-para-empresas-em-recuperacao-judicial-30092021. Acesso em: 18 jul. 2024.