Isabella Botan
A Recuperação Extrajudicial é uma das espécies de reestruturação de dívidas para sociedades empresárias que atravessam momento de crise econômico-financeira, a fim de conceder “fôlego” a empresa devedora, sem adentrar na esfera judicial, sendo prevista e regulamentada pela Lei de Insolvência, n.º 11.101/2005, a partir do art. 161 do referido diploma legal.
Na Recuperação Extrajudicial, vale dizer que, a intervenção pública – do Poder Judiciário – é mínima, o que acaba por proporcionar certa liberdade ao devedor para solucionar seus problemas financeiros, melhor atendendo aos interesses dos credores de acordo com o mercado.
As vantagens conferidas a Recuperação Extrajudicial são o custo acessível e celeridade do procedimento, quando comparado a Recuperação Judicial, de modo a otimizar os principais objetivos do instituto de Recuperação, permitindo a manutenção da fonte produtora, o emprego dos trabalhadores, sejam diretos e/ou indiretos, e dos interesses dos credores, promovendo, então, efetivamente, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Ainda, esta via não é possibilitada a todo e qualquer devedor. Para requerer a Recuperação Extrajudicial, a empresa devedora deve preencher os requisitos do art. 48 da Lei 11.101/2005, e não pode haver pedido de Recuperação Judicial pendente ou realizado nos últimos 02 (dois) anos. No mais, se faz necessário observar o foro competente para apreciação das questões relacionadas a crise da empresa, qual seja, do local do principal estabelecimento da devedora, vide art. 3 da Lei 11.101/2005.
Há modalidades de Recuperação Extrajudicial, quais sejam: homologatória ou facultativa, e a impositiva. Se a Recuperação Extrajudicial for na modalidade impositiva, disposta no art. 163 da Lei 11.101/2005, é necessário o preenchimento de alguns elementos para que os efeitos do Plano de Recuperação Extrajudicial recaiam também sobre credores não aderentes da mesma classe, que, apesar de se tratarem de minoria, resistiram a suportar as consequências da Recuperação Extrajudicial, e assim, a minoria fica vinculada à vontade da maioria, a fim de que se preserve o interesse da coletividade de credores, pautado sob o princípio do par conditio creditorum.
A modalidade homologatória ou facultativa, contida no art. 162 da Lei 11.101/2005, prevê efeitos individuais, apenas quanto aos credores que aderiram ao Plano de Recuperação Extrajudicial, ou seja, os credores anuentes signatários, a ser distribuído pelo devedor, requerendo ao Juízo a homologação dos termos e condições, com justificativa e demais documentos aptos.
Com a adesão ao Plano de Recuperação Extrajudicial, é conferido ao credor um título executivo judicial após a sentença de homologação do PRE, nos termos do art. 6 da Lei 11.101/2005, proporcionando eventual cumprimento de sentença mais contundente para satisfação do crédito.
Uma das significativas mudanças realizadas com a Reforma da Lei, n.º 14.112/2020, foi a alteração do dispositivo do art. 161, § 1º da Lei 11.101/2005, que ampliou a abrangência de credores da Recuperação Extrajudicial, fazendo constar a Classe I (Trabalhistas), desde que exista negociação coletiva com o sindicato da categoria profissional de trabalhadores.
Ademais, eventual desistência realizada por credor, pós-adesão ao Plano de Recuperação Extrajudicial, depois de distribuído o pedido de homologação, é completamente impossibilitada, especialmente para assegurar estabilidade e segurança jurídica quanto a deliberação majoritária da coletividade de credores. Somente com a anuência e autorização dos demais credores, em atenção ao princípio democrático, é que se poderá desistir.
Acerca dos requisitos objetivos da Recuperação Extrajudicial, tem-se a concordância dos credores que devem representar mais da metade dos créditos de cada classe para homologação do Plano, nos termos do art. 163 da Lei 11.101/2005, além da impossibilidade de pagamento antecipado de dívidas, que poderia ocasionar em tratamento desfavorável aos demais credores. O último requisito essencial é a concordância dos credores quanto afastamento da variação cambial que lhes era assegurada anteriormente.
Instruído devidamente o pedido de Recuperação Extrajudicial, o Juízo determinará a publicação de edital contendo o prazo de 30 (trinta) dias, para que os credores apresentem impugnação quanto aos termos do Plano de Recuperação Extrajudicial, limitadas as matérias elencadas no § 3º do art. 164 da Lei 11.101/2005. Também no prazo do edital, a devedora deve comprovar satisfatoriamente o envio de carta para comunicação de todos os credores para que tomem conhecimento do procedimento.
É de bom alvitre ressaltar é que, os efeitos da homologação do Plano de Recuperação Extrajudicial começam a partir da decisão prolatada, limitado apenas aos credores abrangidos pela Recuperação Extrajudicial – sejam aderentes ou não aderentes, mas sujeitos as disposições do PRE. Assim, ocorrerá a novação das obrigações originárias.
Nas palavras do ilustre professor e doutrinador Marcelo Barbosa Sacramone: “o art. 165, § 1º, assegura a possibilidade de o plano de recuperação extrajudicial determinar a produção de efeitos aos signatários antes mesmo da homologação judicial. Desde que os efeitos sejam exclusivamente quanto à modificação do valor ou da forma de pagamento dos credores signatários, o plano de recuperação poderá produzir efeitos a partir da composição entre o devedor e cada um dos credores (…), mas sob a condição de ser homologado judicialmente. Caso a recuperação extrajudicial seja indeferida, não ocorrerá a novação e os efeitos anteriores serão desconstituídos. As obrigações retornam às suas condições como originalmente contratadas e o seu cumprimento poderá ser exigido pelos credores, deduzidos dos valores a serem exigidos os valores recebidos pelos credores durante o procedimento.”
Outrossim, o Plano de Recuperação Extrajudicial pode envolver alienação de bens (filiais ou UPIs), por meio de um dos modos públicos de alienação (vide art. 142 da Lei 11.101/2005), sem a autorização judicial, com a finalidade de obtenção de recursos financeiros para proporcionar a continuidade operacional da devedora e manutenção da sua atividade empresarial, fazendo valer de forma efetiva e eficaz os princípios basilares do art. 47 da Lei 11.101/2005.
Conclui-se, portanto, que o instituto da Recuperação Extrajudicial representa uma alternativa mais econômica, célere e eficaz para reestruturação da empresa em crise, facilitando, ainda, a realização de acordos personalizados e menos desgastantes entre as partes. A redução da burocracia e a menor intervenção do poder judiciário proporcionam maior conveniência na negociação das dívidas, beneficiando tanto os devedores quanto os credores. Tem-se, então, que a Recuperação Extrajudicial se apresenta como uma excelente ferramenta de soerguimento para empresas que atravessam crise econômico-financeira, garantindo a continuidade de suas atividades empresariais, o emprego dos trabalhadores diretos e indiretos, além dos interesses dos credores, preservando a empresa e sua função social.
REFERÊNCIAS:
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresa e falência. 5. São Paulo: Saraiva Jur, 2024.
GUIESELER JUNIOR, Luiz Carlos. Recuperações judicial e extrajudicial: um manual de acordo com a Lei n. 11.101/2005 e sua reestruturação pela Lei n. 14.112/2020. Editora Intersaberes, 2021.