Hugo Pellegrini
A introdução da inteligência artificial (IA) no sistema judiciário está causando grandes mudanças na administração da justiça. No Brasil, projetos como o programa “Victor” do Supremo Tribunal Federal (STF) têm mostrado como a inteligência artificial pode acelerar procedimentos e aumentar a eficácia.
Entretanto, esse avanço tecnológico apresenta diversos desafios éticos, práticos e legais que devem ser analisados com cautela.
Avanços e Vantagens da Inteligência Artificial no Sistema Judiciário
A principal promessa da inteligência artificial no campo jurídico é a aceleração dos trâmites. Tecnologias como o “Victor” possuem a habilidade de analisar de maneira rápida grandes quantidades de dados judiciais, possibilitando um processamento mais ágil e eficaz dos processos. Automatizar tarefas repetitivas, como digitalizar e classificar documentos, permite que os funcionários foquem em partes mais complexas dos processos, resultando em maior produtividade e decisões de melhor qualidade.
Os algoritmos de machine learning podem oferecer informações importantes, auxiliando juízes e advogados a fazer escolhas mais embasadas e consistentes. O emprego de grandes volumes de dados pode resultar em uma justiça mais confiável e antecipável, trazendo vantagens para todos os envolvidos.
Adicionalmente, a inteligência artificial pode tornar mais fácil o acesso à justiça para grupos marginalizados ou residentes em regiões distantes. As ferramentas de inteligência artificial podem ser úteis na elaboração de documentos legais, fornecendo orientação sobre processos e até mesmo ajudando na resolução de conflitos menores, oferecendo suporte jurídico básico para indivíduos que enfrentam dificuldades para obter assistência legal.
Outra questão relevante é a diminuição dos gastos operacionais. Por meio da automatização de tarefas administrativas e repetitivas, os tribunais podem poupar recursos importantes, redirecionando-os para setores que requerem intervenção humana necessária. Isso pode levar a um sistema mais eficaz e economicamente viável a longo prazo.
Desafios éticos e desafios práticos
Embora tenham sido feitas promessas, a implementação da inteligência artificial no sistema judiciário enfrenta vários desafios. Uma das principais questões é assegurar que a qualidade das decisões judiciais não seja comprometida pela eficiência. A aplicação da justiça vai além dos dados e da lógica, sendo necessárias considerações humanas como compaixão e moralidade, as quais a inteligência artificial ainda não consegue reproduzir integralmente. A complicação dos cenários e a importância de compreender os detalhes emocionais são aspectos que uma máquina pode não entender completamente.
A preservação de informações pessoais e delicadas é mais uma questão vital. Em um cenário onde a importância dos dados é crescente, os perigos de vazamentos ou uso indevido de informações são substanciais. É fundamental seguir protocolos estritos de segurança e estar em conformidade com leis como a LGPD para reduzir esses riscos. É igualmente importante manter a confidencialidade das informações e a privacidade dos indivíduos para impedir que a inteligência artificial seja usada indevidamente para vigilância.
Além do mais, a inteligência artificial pode manter preconceitos presentes nos dados usados para seu treinamento. Se os dados passados possuem preconceitos raciais, de gênero ou socioeconômicos, a inteligência artificial pode reproduzir e até aumentar esses preconceitos. Desenvolver mecanismos para detectar e corrigir vieses é essencial para assegurar a justiça e imparcialidade das decisões tomadas com o auxílio da IA. Garantir uma análise transparente dos algoritmos e revisar frequentemente os dados de treinamento são medidas fundamentais para reduzir tais riscos.
A confiança pública também é um fator crítico. A implementação da inteligência artificial no sistema judiciário pode causar desconfiança entre os indivíduos, com receio de que suas questões sejam julgadas por dispositivos impessoais. Uma compreensão inadequada do funcionamento da IA pode causar interpretações errôneas sobre sua imparcialidade e eficácia. Assim, é fundamental instruir a população sobre as vantagens e restrições da inteligência artificial, incentivando uma comunicação transparente e franca sobre sua aplicação.
Visões e Padrões Morais
A introdução da inteligência artificial no sistema judicial requer princípios éticos bem definidos e mecanismos de governança fortes. A Resolução CNJ nº 332/2020 representa um avanço significativo ao estabelecer orientações para assegurar a ética e a transparência no emprego da inteligência artificial no sistema judiciário do Brasil. Essa regra ressalta a relevância de princípios como igualdade, ausência de discriminação e julgamentos justos, essenciais para uma justiça equitativa.
A experiência no exterior também proporciona ensinamentos preciosos. Na China, exemplificando, tem se destacado na implementação de “tribunais inteligentes”, nos quais a inteligência artificial auxilia diretamente os magistrados. Entretanto, essa estratégia suscita dúvidas quanto à diminuição da autonomia judicial e ao domínio pelas máquinas. Encontrar um equilíbrio entre a eficiência tecnológica e a preservação da autonomia e do discernimento humano é um desafio comum em todas as jurisdições.
A adoção ética da inteligência artificial no sistema judiciário depende da colaboração de diversos interessados, como advogados, especialistas em tecnologia, legisladores e a população em geral. É fundamental que esses grupos estejam sempre em diálogo para criar políticas e práticas que assegurem o uso responsável e justo da IA. A transparência durante os processos de criação e aplicação da IA pode contribuir para a construção dessa confiança.
Outra questão fundamental é a capacitação e treinamento de profissionais da área jurídica. Os advogados, juízes e outros profissionais do sistema jurídico devem ter conhecimento das ferramentas de inteligência artificial e entender seu funcionamento. A continuidade na educação em tecnologia jurídica é crucial para garantir que esses profissionais possam usar a IA de forma eficiente e ética, bem como detectar e reduzir problemas potenciais que possam surgir.
Conclusão
A IA possui o potencial de transformar o sistema judicial, tornando-o mais rápido, eficaz e disponível. Entretanto, é essencial administrar essa mudança com cautela para preservar os princípios éticos e legais que fundamentam a justiça perante os avanços tecnológicos. Com um equilíbrio de abordagem e um compromisso firme com a ética, o judiciário pode integrar os benefícios da IA, garantindo que a justiça continue sendo uma balança equilibrada sob controle humano.
O avanço da inteligência artificial no sistema judiciário traz uma chance única de atualizar e tornar mais humano o sistema legal ao mesmo tempo. Ao adotar essa tecnologia com cuidado e empatia, podemos construir um amanhã onde a justiça seja não só ágil e eficaz, mas também genuinamente humana e equitativa.