Leonardo César Costa
O instituto da recuperação judicial e a Lei n. 11.101/05 são fundamentados no Princípio da Preservação da Empresa, visando permitir que empresas e empresários em crise econômico-financeira possam se recuperar.
Contudo, pode ocorrer a busca pela recuperação judicial com objetivos contrários aos previstos na Lei, como a proteção de patrimônio e fraude aos credores, em vez de recuperar a empresa em crise.
Nesses casos, a empresa requerente age em desacordo com a boa-fé objetiva, excedendo os limites do exercício regular de direito, configurando abuso de direito. Esse abuso, que desvia a conduta inicialmente lícita para fins ilícitos, é tipificado como crime pelo artigo 168 da Lei n. 11.101/05. Entretanto, a Lei não especifica a responsabilização civil do requerente da recuperação judicial nesses casos.
Os credores, ao serem vítimas da conduta ilícita do requerente, sofrem diversos danos, como deságios elevados e prazos alongados para receber seus créditos, além de perderem a chance de perseguir seus créditos por vias executórias. Isso afeta, inclusive, os credores cujos créditos não estão sujeitos à recuperação judicial, que buscam bens essenciais à atividade empresarial.
Quando o Princípio da Preservação da Empresa é usado de forma inadequada, sacrificando excessivamente os credores, ele não deve prevalecer sobre o Princípio da Boa-fé. Isso porque tal sacrifício pode desencadear uma reação em cadeia, prejudicando diversas empresas credoras e, consequentemente, a economia como um todo.
Portanto, é crucial garantir que a empresa requerente da recuperação judicial esteja, de fato, em crise econômico-financeira. Caso contrário, coloca-se em risco os negócios em prol de uma empresa que age de má-fé para fraudar credores.
Embora provar a intenção de blindar patrimônio e fraudar credores não seja fácil, a Lei n. 11.101/05 oferece algumas salvaguardas, como a possibilidade de constatação prévia prevista no artigo 51-A.
Quando uma empresa ou empresário requer a recuperação judicial sem estar em real crise econômico-financeira e obtém seu deferimento, causando danos aos credores, surge a possibilidade de responsabilização civil. Essa responsabilização, não explicitamente prevista na Lei n. 11.101/05, pode ser aplicada com base no regime geral do Código Civil, especificamente nos artigos 927 e 187.
Embora essa questão ainda seja pouco debatida pela doutrina, é essencial que os requerentes da recuperação judicial com fins ilícitos sejam responsabilizados para evitar o aumento de demandas abusivas, que causam grandes perdas e consequências drásticas aos credores e à economia.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Temas atuais de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2007.
BRASIL, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial, Brasília, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 20 jun. 2024.
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