Hugo Pellegrini
A origem do termo “ativismo judicial” situa-se na doutrina norte americana e foi consagrada pelos trabalhos de Arthur Schlesinger Jr, quando se referia à atitude de juízes de direito quando da aplicação da norma jurídica de maneira extensiva, de modo a gerar efeitos para além do caso concreto.
Schlesinger padronizou esta conduta em quatro categorias principais: juízes ativistas que defendem direitos das minorias e classes mais pobres, juízes ativistas focados nos direitos de liberdade, juízes campeões da autorrestrição, e juízes que buscam o equilíbrio das forças. De um lado deste espectro teríamos o juíz completamente autorrestrito e de outro, o juiz ativista, que buscaria pela promoção de forma ativa, as mudanças sociais e políticas por meio de suas decisões. É uma abordagem que vai além de uma interpretação estritamente literal da lei, levando em consideração valores constitucionais, princípios fundamentais e direitos humanos.
Tal conceito pressupõe determinada polarização da prestação jurisdicional, de modo a colocar de um lado do espectro, um juiz completamente autorrestrito, que adere estritamente ditames legais, e de outro, um magistrado ativista, que almeja a promoção de mudanças sociais e políticas e o faz por intermédio de suas próprias decisões em casos concretos.
Por outro lado, na doutrina, conforme elucida o Prof. Lênio Luiz Streck, é inegável o reconhecimento de uma crise no âmbito do Poder Judiciário, crise esta que reflete uma fragilização dos valores constitucionais preceituados, em especial às reformas constitucionais pretendidas pelos governos dos presidentes Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, à década de 90. Desta fragilização de valores proposta por Streck, “O Direito que imediatamente conhecemos e aplicamos, posto pelo Estado, dele dizemos ser “posto” pelo Estado não apenas porque seus textos são escritos pelo Legislativo, mas também porque suas normas são produzidas pelo Judiciário”.
Assumindo posição contrária a atuação “positiva” do magistrado, Streck argumenta que o ativismo judicial é uma conduta de risco, na qual os juízes se desviam de seu papel tradicional de aplicar a lei de acordo com sua interpretação correta. Enfatiza a importância de seguir princípios e métodos hermenêuticos para garantir a interpretação correta e consistente das normas jurídicas.
Na defesa do ponto de vista de Streck, temos o argumento de que o ativismo judicial pode levar à usurpação do poder legislativo, pois os juízes podem acabar criando leis com suas decisões ou alterar significativamente seu alcance e conteúdo, ou seja, tais prerrogativas podem afetar direta e indiretamente a separação de poderes e, por consequência, a democracia, já que o Poder Legislativo também estaria sendo exercido pelo Poder Judiciário. No entanto, o autor reconhece que uma interpretação estritamente literal da lei pode ser insuficiente para resolver casos complexos e garantir a proteção dos direitos fundamentais, visto que o direito não é um sistema fechado e estático, e sua interpretação deve levar em conta valores e princípios constitucionais, mas igualmente importante, deve-se ter por reconhecido contexto social e histórico.
O ativismo judicial pode ser legítimo e desejável em determinadas circunstâncias, desde que realizado com responsabilidade, transparência e respeito aos limites constitucionais, sendo necessário que juízes fundamentem suas decisões com base em argumentos sólidos e fundamentados com a demonstração de como sua interpretação do caso concreto se comunica com os princípios e valores constitucionais.
Na medida em que o Poder Judiciário se propõe a resolver questões de grande repercussão na sociedade, é inevitável que tais prerrogativas incorram na judicialização da política.
Nesta toada, o Min. Luís Roberto Barroso, em sua obra “Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática”, propõe que:
“Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro.”
Portanto, denota-se que alguns dos motivos para tal intervenção excessiva por parte do Poder Judiciário, podem se explicar a partir do processo de redemocratização do país, quando do momento de promulgação da Constituição, em 1988. A partir desta noção, é comum vermos a gradual presença do Poder Judiciário em questões e assuntos que sobreponham-se a prerrogativa dos demais Poderes. Como Barroso coloca “a redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira”.
No entanto, Barroso argumenta que, dadas as notórias tendências do Supremo Tribunal Federal, nos temas: das políticas governamentais, acerca da constitucionalidade de políticas públicas em favor da Reforma da Previdência Social, bem como da Reforma do Poder Judiciário – faz alusão à criação do Conselho Nacional de Justiça –; das limitações a atuação democrática frente às Comissões Parlamentares de Inquéritos e a preponderância da atuação do Ministério Público em relação à investigações criminais; da progressão de regime penal em casos de práticas de crimes hediondos, defende que a atuação que o Supremo Tribunal Federal (STF) não agiu por vontade própria, mas por próprio dever legal, ao regular tais questões. Ainda, é inegável que em sua visão o Sumpremo Tribunal Federal (STF) não detia poder acerca da apreciação destas questões de grande repercussão, senão apreciá-las em consonância aos requisitos legais impostos. Defende a tese de que seria inevitável que os Ministros do STF criassem um modelo de “supremacia judicial”, ao qual o Poder Judiciário representaria dominância em detrimento dos demais Poderes, no modelo tripartite de Montesquieu. Argumenta no sentido de que a judicialização é um fenômeno real, embora não se tenha derivado de um viés ideológico, filosófico ou metodológica por parte do STF, sendo que o Tribunal apenas deva cumprir com sua prerrogativa constitucional – acerca do sistema institucional vigente.
Nesse contexto, o ativismo judicial é visto como uma forma de equilíbrio entre poderes que permite ao judiciário atuar como contrapeso a possíveis falhas e omissões por parte dos Poderes Legislativo e Executivo, de maneira complementar, sendo que, firma seus alicerces em alguns cenários característicos como: (i) usar a Constituição diretamente para resolver casos que não estão previstos nela e sem esperar pela lei ordinária; (ii) anular leis feitas pelo legislador, usando critérios mais flexíveis do que os de clara e evidente contrariedade à Constituição; (iii) obrigar ou proibir o Poder Público de fazer algo, principalmente em relação às políticas públicas. .
Outro aspecto pertinente à visão de Barroso é acerca da importância e necessidade de maior participação popular em decisões judiciais e na construção do direito como um todo, ou seja, a legitimidade democrática do Judiciário está intrinsecamente ligada à sua capacidade de dialogar com a sociedade e incorporar suas demandas e aspirações na interpretação e aplicação do direito, sendo que tal participação pode ocorrer por meio de mecanismos como audiências públicas, consultas populares ou processos legislativos participativos.
Em conclusão, o ativismo judicial no Brasil é uma ferramenta controversa e essencial para a busca de equilíbrio entre os Poderes, como também de igualmente relevância, na efetividade dos direitos constitucionais, sendo criticado por riscos à separação de poderes e defendido por sua necessidade diante das demandas sociais. A legitimidade deste fenômeno depende de um exercício criterioso do magistrado, o qual deve ser elaborado com a devida transparência e fundamentação em valores e princípios Constitucionais democráticos, de tal modo que a judicialização da política, seja responsável tão somente por contrabalançar omissões legislativas e executivas, limitando-se à promoção e proteção dos direitos fundamentais, à participação popular e o diálogo entre os três Poderes.