Leticia Pereira Suave
A penhora de imóvel em que se encontra o estabelecimento da empresa é permitida em caráter de excepcionalidade, quando inexistentes outros bens passíveis de penhora. Nesse sentido, quanto ao próprio instituto da penhora, tem-se que a execução se processa em favor do credor, porém, deve ser realizada de forma menos gravosa possível ao devedor. Com isso, cabe ao juiz ponderar sobre esses dois critérios ao decidir sobre a efetivação dessa medida constritiva.
Em tese, empresas de grande porte e algumas modalidades de trabalho, como, por exemplo, escritórios de advocacia, não têm o imóvel empresarial como um bem imprescindível ao desenvolvimento de suas atividades. Logo, a cessão dela não produzirá um prejuízo considerável no sustento desses empresários.
Por essa razão, a priori, ter-se-ia como passível de penhora a sede dessas empresas, em razão de que a constrição do imóvel não as afetaria de tal modo a inviabilizar a continuidade das suas atividades
Porém, essas hipóteses não se aplicam a todos os casos. Tratam-se de exceções e não de regra. Principalmente ao analisarmos casos nos quais o pedido de penhora recai sobre imóveis de microempresas ou empresas de pequeno porte
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem conferido o benefício da impenhorabilidade legal, prevista na Lei nº 8.009/1990, a bem imóvel de propriedade de pessoa jurídica, quando de pequeno empreendimento familiar, no qual os sócios são seus integrantes e a sua sede se confunde com a moradia deles
Ademais, observa-se a hipótese em que o estabelecimento empresarial é comprovadamente necessário para o exercício de determinada profissão, sendo indispensável para o sustento do empresário e sua família
Segundo entendimento do STJ no REsp no 1.114.767/SP, o estabelecimento empresarial pode ser considerado impenhorável com fulcro em uma interpretação extensiva do artigo 833, inciso V, do Código de Processo Civil (CPC, o qual trata somente sobre bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado
Isso pois, conforme se pode observar, sem esses bens o exercício da profissão por parte do empresário seria impossibilitado, fazendo com que, por causar a interrupção da atividade empresarial essencial para subsistência daquele indivíduo e de sua família, o imóvel que em regra poderia ser penhorado se torne impenhorável
A não observação desses fatores resulta em uma violação a princípios constitucionais fundamentais, a exemplo o disposto no artigo 1º, inciso IV, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e até mesmo do artigo 6º da Magna Carta, onde dispõe em seu caput que o trabalho é um direito social, o qual seria impossibilitado para o empresário diante dessa penhora. Para mais, conforme defende Dinaura Godinho Pimentel Gomes, o trabalho está intrinsecamente vinculado a existência de uma vida digna, o que culminaria, em tese, na também violação do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, quando interpretado de maneira extensiva
Observa-se, portanto, que o trabalho muito mais que um dever é um direito. O indivíduo, independente da profissão, tem o direito de trabalhar, direito esse que em eventual penhora será cerceado. Por outro lado, aquele que em eventual lide detém a posição de credor, também tem o direito de receber o que a ele é devido, utilizando-se de todos os preceitos legais que lhe são conferidos para isso
Por isso, a análise dos requisitos para detecção da possibilidade da penhorabilidade do estabelecimento comercial deve ser realizada caso a caso, considerando os efeitos de tal ato, para que, eventual penhora não produza efeitos reversos daqueles aos quais se destina, não seja futuramente considerada ilegal e ainda, não leve o devedor a total ruina
Desse modo, mesmo por dívida fiscal, é importante observar e seguir o disposto no artigo 11 da Lei 6830/80 e consolidado pela Súmula 451 do STJ, utilizando-se da penhora sobre bens imóveis empresariais somente quando todas as hipóteses anteriores a ele estiverem sido esgotadas e desde que este não seja utilizado como residência da família
Um evidente problema enfrentado pelo judiciário brasileiro é o congestionamento de ações causado, entre outros fatores, pela lentidão dos procedimentos e excessiva burocratização de institutos. Na área das execuções este problema se dinamiza em maiores proporções, pois, além da mora processual, muitas vezes os credores exequentes enfrentam obstáculos ao tentar localizar o devedor ou seus bens para penhora, o que resulta em frustração.
Diante este cenário, a lei Lei 14.711/2023 visa tornar mais ágil o processo de satisfação dos credores, centrando-se em facilitar a localização e a execução das garantias. A também nomeada recorrentemente como “Marco Legal das Garantias”, introduziu significativas inovações no que diz respeito à localização e execução de determinados bens oferecidos como garantia em transações comerciais.
Caminhando junto a notável corrente de desjudicialização e redução do excesso burocrático processual, a redação original do Projeto Lei, em uma de suas disposições, previa a execução extrajudicial de bens móveis regidos pela alienação fiduciária em garantia. Isso significa dizer que medidas como busca e apreensão de móveis dados como garantia poderiam ser realizadas por intermédio de procedimentos conduzidos pelos cartórios de títulos e documentos, o que, de certo, reduziria a sobrecarga da máquina judiciária.
Apesar do conturbado processo de aprovação do projeto, o qual deve agora ser promulgado, o Marco Legal das Garantias acrescenta uma série de artigos, junto ao decreto-lei 911/1969, visando agilizar o processo de busca e apreensão extrajudicial de bens móveis utilizados como garantia em operações de alienação fiduciária.
Entre as disposições do projeto, observa-se em especial ao art. 8º-B, o qual trata especificadamente da possibilidade de consolidação da propriedade de bens móveis dados em garantia fiduciária, mediante procedimento extrajudicial. Segundo a normativa, seria permitido o presente procedimento desde que havido previsão expressa no contrato e o devedor encontrado em mora
O cartório competente a realizar o procedimento seria, conforme o presente ordenamento, o de domicílio do devedor ou da localização do bem. Desse modo, o oficial de registro notificaria o devedor para pagar a dívida ou apresentar documentos comprobatórios em até 20 dias. Se a dívida fosse quitada dentro o prazo estipulado, o contrato de alienação fiduciária seria mantido. Caso contrário, a propriedade seria consolidada em nome do credor.
Não obstante, o marco ainda dispõe sobre a notificação eletrônica, comunicação com outros órgãos registrais, valores da dívida e informações que devem constar na notificação, estipulando prazo para o devedor entregar o bem ao credor para venda extrajudicial, sob pena de multa.
Observado os dispositivos dos artigos 8º-B, 8º-C, 8º-D e 8º-E, é certo que o projeto ainda passa por aprimoramento e necessita de maior detalhe à algumas medidas executivas. Dito isso, é certo que a lei 14.711/2023 possui importante recepção pelo ordenamento jurídico brasileiro, trazendo relevantes novidades quanto à localização e execução de bens de devedores, e garantindo mais segurança e celeridade aos credores.
Referências
MARQUES, Elias de Medeiros Neto. A lei 14.711/23 e a busca e apreensão extrajudicial de bens móveis. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/399636/a-lei-14-711-23-e-a-busca-e-apreensao-extrajudicial-de-bens-moveis>