Letícia Bernardes Studinski
O bloqueio dos valores presentes na conta da parte devedora é uma das técnicas mais comumente utilizadas na execução forçada, realizada a fim de viabilizar o recebimento de prestação pecuniária. Isso significa dizer que, ao não cumprir com o pagamento na forma do negócio pactuado, ainda que de forma parcial, há a possibilidade da parte que deveria ter recebido a quantia ingressar com procedimento processual especial para satisfazer esse crédito.
Ressalta-se que a Execução é possível desde que a quantia seja oriunda de título executivo, conforme o rol disposto no art. 784 do Código de Processo Civil, que elenca os títulos executivos extrajudiciais. Nesse sentido, Gonçalves2leciona que ao ingressar com procedimento judicial com o intuito de receber um crédito, o credor ora exequente, se valerá da atuação estatal para satisfazer o seu crédito, por meio de diversas medidas constritivas, como a constrição patrimonial.
Contudo, a partir da interpretação da legislação vigente se extrai o entendimento de que tais medidas constritivas têm suas limitações, havendo hipóteses em que não é possível manter os bloqueios realizados, assim se estabelece o conceito de impenhorabilidade, que visa compelir a execução abusiva e excessivamente onerosa (custosa).
Sendo assim, o entendimento doutrinário de Humberto Theodoro Júnior3 é de que a penhora deve incidir sobre bens suficientes para assegurar o pagamento da dívida, mas sem causar prejuízo excessivo ao devedor. De encontro com princípios que regem a conduta processual como o da dignidade humana e menor onerosidade.Justamente por esse fundamento é que não se admite a penhora de verba a qual é destinada para garantir o mínimo existencial do trabalhador, ou seja, os valores de natureza salarial são impenhoráveis, salvo as exceções previstas no art. 833, §2º, CPC.
Dessa forma, a Lei n. 8.036/1990, a qual dispõe sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), abarca o caráter absolutamente impenhorável em seu art.
1Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Maringá – UEM (2021). Assistente jurídica do setor cível contencioso. Email: leticia.bernardes@fmadvoc.com.br.
2GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 3: Contratos e Atos Unilaterais. 11ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 202
3THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 58. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
2º, parágrafo 2º, no qual estabelece que “as contas vinculadas em nome dos trabalhadores são absolutamente impenhoráveis”.
Assim, embora tenha havido a discussão na jurisprudência acerca da relativização ou não da realização de penhora em contas com valores referentes ao FGTS, nota-se que salvo as exceções com entendimento pacificado nos tribunais, resta indiscutível o caráter absoluto da impenhorabilidade do Fundo de Garantia nos tribunais, como se observa nos julgados de Agravo de Instrumento n. 0010749- 21.2024.8.16.00004 do TJPR e n. 2070706-08.2022.8.26.00005 do TJSP.
Na ementa dos referidos julgados, é possível extrair que há a impossibilidade da pretensão de penhora do saldo de fundo de garantia em razão da impenhorabilidade absoluta por força do já supracitado artigo da lei do FGTS. Ademais, apontam ainda que trata-se de direito constitucionalmente assegurado, bem como se salvaguardam as verbas provenientes de FGTS por se encaixarem na disposição do art. 833, inciso IV do CPC, além de que menciona estar pautado no precedente do STJ “vide AgInt no REsp 1858456/RO, rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 15/06/2020, DJe 18/06/2020” .
Insta pontuar, que a impenhorabilidade de tal verba está diretamente relacionada ao seu caráter salarial e emergencial, visto que se trata de valor destinado à subsistência do devedor executado, sendo garantia fundamental protegida pela Constituição Federal no art. 7º, inciso II. Todavia, ao tratar-se de execução de alimentos, por força dos princípios de prevalência dos interesses da criança e do adolescente, parentalidade e dignidade humana há a exceção legal que admite a penhora de valores referentes ao FGTS.
Nesse diapasão, no Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1570755/PR, restou exposto que o entendimento do STJ é acerca da impossibilidade de penhorar os valores provenientes de FGTS, como discorreu ao dizer que a Corte admite a penhora de verbas oriundas de fundo de garantia somente em casos de execução de alimentos, assim fixou que nas demais execuções, resta configurada a impenhorabilidade de tais quantias.
Portanto, a regra vigente é de que não se admite a penhora de valores provenientes de FGTS em execuções de títulos ou de obrigação de fazer e afins, havendo exceção para a penhora somente nas execuções alimentícias. Isso porque, não tão somente tal verba tem origem salarial e é direito fundamental previsto constitucionalmente, mas também por sua característica de subsistência ao trabalhador. Desse modo, ainda que em uma execução judicial se priorize o recebimento dos valores exequendos, deve-se atentar para a não abusividade e
4 TJPR – 15ª Câmara Cível – 0010749-21.2024.8.16.0000 – Capanema – Rel.: SUBSTITUTO DAVI PINTO DE ALMEIDA – J. 11.05.2024.
5TJSP – 18ª Câmara de Direito Público – 2070706-08.2022.8.26.0000 – Bauru – Rel.: Henrique Harris Júnior. J. 05/05/2022.
excesso de execução ao penhorar valores provindos de contas de FGTS, razões pelas quais tais valores restam indiscutivelmente impenhoráveis