Gustavo Henrique da Silva Araujo
O art. 128 do Código Tributário Nacional fixa as diretrizes gerais da responsabilidade tributária, nos seguintes termos:
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a êste em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
A responsabilidade exige expressa disposição legal e eleição de um critério objetivo para a definição do terceiro, que é a vinculação deste com o fato jurídico que enseja a obrigação tributária. De fato, as hipóteses de responsabilidade têm por objetivo atender ao interesse do poder público, que poderá, mediante lei, escolher pessoas que poderão facilitar o recolhimento do tributo, das mais variadas formas.
Entre as diversas formas de responsabilidade, a substituição tributária, embora bastante questionável em termos econômicos e jurídicos, assume um papel preponderante na sistemática de arrecadação de alguns tributos, como no caso do ICMS.
Embora já existisse à época da redação original do Código Tributário Nacional (CTN), que, no hoje revogado art. 58, § 2º, II, atribuía ao industrial ou comerciante atacadista a responsabilidade de recolher o antigo ICMS devido pelo comerciante varejista, mediante acréscimo de 30% no valor da mercadoria, a substituição tributária assumiu status constitucional ao ser introduzida na Carta Magna pela Emenda nº 3/93, que acrescentou o § 7º ao art. 150.
Em matéria tributária, essa antecipação do pagamento em relação ao fato gerador vilipendia a natureza do tributo. Isso ocorre porque alguém é obrigado a pagar o ICMS, um imposto devido em razão da circulação econômica, antes do efetivo recebimento da venda da mercadoria, quando sabemos que o imposto tem como pressuposto o valor a ser recebido pelo empresário. Tal antecipação altera o conceito de fato gerador, transformando-o em um acontecimento futuro sem qualquer certeza concreta, e onera a cadeia produtiva, pois o substituto que deve pagar o tributo em nome de outrem certamente embutirá esse valor no custo da operação.
Além disso, essa prática desrespeita o princípio da capacidade contributiva e a vedação ao efeito confiscatório dos tributos, uma vez que se exige um montante de quem não deu causa nem possui relação direta com o fato, que só ocorrerá posteriormente, numa operação efetuada entre terceiros.
Apesar da clareza desses argumentos, eles não foram suficientes para convencer o Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar a ADI n. 1.851-4/AL, decidiu, com efeito erga omnes e vinculante, pela constitucionalidade da Emenda nº 3/93 e da Lei Complementar nº 87/96, resolvendo, ainda, a questão da restituição na hipótese de o fato não se concretizar.
Em termos hipotéticos, poder-se defender que a substituição tributária teria como premissa a possibilidade de designar, por meio de lei, pessoas responsáveis pelos tributos de outras, que no momento do fato jurídico seriam incapazes de cumprir a obrigação tributária, como no caso de menores de idade ou indivíduos gravemente doentes. Até este ponto, seria possível perceber uma relação direta (no sentido jurídico) entre o responsável tributário e o real contribuinte, como ocorre com os pais em relação aos filhos menores ou os representantes legais dos incapacitados.
Contudo, o poder público percebeu que poderia utilizar essa sistemática como uma forma bastante eficiente e conveniente de antecipar a arrecadação de tributos, especialmente aqueles que incidem sobre cadeias econômicas ou produtivas.
A substituição tributária progressiva, também conhecida como substituição tributária para a frente ou por antecipação, é um mecanismo de arrecadação em que a lei atribui a determinada pessoa (substituto) o dever de recolher o tributo devido por outra (substituído) na mesma cadeia econômica ou produtiva, em relação a fatos que ainda não ocorreram, mas que presumivelmente acontecerão.
Podemos constatar que, na substituição tributária para a frente, as grandes empresas recolhem os tributos devidos pelas suas operações próprias, na qualidade de contribuintes, e antecipam o pagamento relativo a fatos que não serão praticados por elas (como a venda de automóveis pelas concessionárias aos clientes). Esse mecanismo visa antecipar recursos para os cofres públicos, permitindo a arrecadação de tributos antes da efetiva materialização da conduta que os ensejou.
Já a substituição tributária regressiva, ou para trás, ocorre após a concretização do fato jurídico, de modo que o substituto tributário se encontra em posição posterior ao substituído dentro de uma cadeia econômica ou produtiva. Nesse modelo, caracterizado pelo diferimento no recolhimento do tributo, destaca-se também a conveniência para a fazenda pública, que atribui ao sujeito posterior na cadeia, com maior capacidade organizacional e relevância econômica, a responsabilidade de recolher o valor já devido nas etapas anteriores.
Na substituição tributária para trás, não há qualquer prejuízo aos contribuintes. Como os fatos tributáveis antecedem o efetivo pagamento, os efeitos econômicos decorrentes já foram absorvidos pela cadeia produtiva, sem impacto negativo nos preços praticados. Dessa forma, não há introdução de custos artificiais que onerariam os consumidores finais.
Destaca-se ainda que conforme o art. 6º da Lei Complementar nº 87/96, a substituição tributária pode ser concomitante, ocorrendo quando duas operações se realizam simultaneamente e um dos sujeitos passivos substitui o outro na responsabilidade pela obrigação principal.
Portanto, conclui-se que a substituição tributária é modalidade de responsabilidade considerada constitucional, sendo capaz de designar por meio de lei quem será responsável pelo recolhimento do tributo de outrem, utilizada como forma de antecipar o recolhimento de tributos por parte do poder público.
REFERÊNCIAS
BARROS, Paulo de Carvalho. Direito tributário – Linguagem e Método.Noeses. São Paulo, 2021.
CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm
PISCITELLI, Tathiane. Curso de Direito Tributário. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2024.