Isabella Botan
As significativas alterações pela Reforma da Lei 14.112/2020, trouxeram a possibilidade de apresentação de Plano de Recuperação Judicial pelos credores, com o intuito de constituir mais um caminho para negociação no âmbito da Recuperação Judicial, sob as seguintes hipóteses: (i) caso decorrido o prazo de blindagem (stay period), sem qualquer deliberação do Plano de Recuperação Judicial acostado nos autos pela devedora e (ii) em eventual rejeição do Plano em Assembleia Geral de Credores.
O Plano de Recuperação Judicial apresentado pelos credores deve preencher determinados requisitos, elencados no art. 56, § 6º da Lei 11.101/2005, e deve ser apresentado no prazo de 30 (trinta) dias, contendo discriminação detalhada sobre os meios de recuperação, demonstração de viabilidade econômica da devedora e o laudo econômico-financeiro e de avaliação de bens.
A inovação legislativa possui o objetivo precípuo de incentivar as empresas em Recuperação Judicial a elaborar planos efetivos, que melhor atenda aos interesses dos credores, estimulando a devedora a agir com proatividade e celeridade em suas negociações. De igual modo, também oportuniza outra alternativa senão à falência quando o Plano inicialmente apresentado não for satisfatório o suficiente, para que haja a reestruturação das dívidas e o soerguimento da devedora viável em meio à crise econômico-financeiro.
Outra importante alteração foi o abuso do direito de voto na Assembleia Geral de Credores, disciplinado pelo art. 39, § 6º da Lei 11.101/2005, que, em regra, será constatado quando manifestamente utilizado para obter vantagem ilícita para si ou para outrem, contrariando os objetivos sociais e econômicos do direito de voto, nos termos do art. 187 do Código Civil, o que deve ser avaliado de acordo com as peculiaridades de cada caso. Nas palavras do ilustre professor e doutrinador Marcelo Barbosa Sacramone, “o voto para rejeitar o plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor não tiver sido orientado
Pós-graduanda em Recuperação Judicial e Falência pela Pontifica Universidade Católica do Paraná – PUC/PR (2024). Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Advogada na área de Recuperação Judicial. E-mail: belabotan@gmail.com.
para a mensuração da viabilidade econômica da proposta e da eficiência da condução da atividade pelo devedor, referido voto contraria os fins econômicos e sociais da atribuição do referido poder aos credores”.
Em análise ao caso concreto da Recuperação Judicial da Samarco Mineração S/A, em que ambas as novidades legislativas foram abordadas, fora reconhecida a abusividade dos credores financeiros (bondholders), inscritos na Classe III (Quirografários), que, em sede de Assembleia Geral de Credores para deliberação do Plano apresentado pela devedora, expressaram sua rejeição ao Plano de Recuperação Judicial, com o inequívoco intuito de apresentar um Plano alternativo prevendo a tomada do controle financeiro da empresa recuperanda.
Em outras palavras, os credores financeiros não rejeitaram o Plano da empresa devedora por atenção a provável (in)viabilidade econômica e/ou a real eficiência do Plano de Recuperação Judicial, mas sim premeditando a tomada do controle societário da recuperanda, o que foge dos princípios de boa-fé objetiva e aos fins econômicos e sociais do voto, regulamentados pelo art. 187 do Código Civil. Sendo assim, o voto é considerado abusivo, e consequentemente, nulo.
Em que pese o exercício do direito ao voto ser essencial ao procedimento concursal, e ser um dos princípios basilares do sistema de insolvência brasileiro, este direito não é absoluto.
Isto porque, a satisfação do crédito deve se dar de forma mais conveniente ao credor, seja na Recuperação Judicial ou Falência, no entanto, em toda e qualquer ocasião que o credor, ao proferir seu voto, o fazer por mera proteção de seus interesses exclusivamente particulares, o voto deverá ser anulado.
No conclave, os credores não precisam fundamentar seu voto expressamente, e por esta razão, o voto abusivo deverá ser analisado, caso a caso, por outros elementos que indiquem que o credor extrapolou a motivação do seu voto. Como é o exemplo do processo da Samarco, o abuso do direito de voto pelos credores financeiros foi confirmado através das ilegalidades perpetradas nas condições do Plano alternativo apresentado – em que a Vale e a BHP Brasil não mais poderiam exercer seus direitos de preferência em caso de controle presumido. Tal hipótese é ilegal no que se refere ao direito dos acionistas, uma vez que, se faz imprescindível a concordância dos sócios quanto os meios de reestruturação que incidam sobre o controle societário da empresa em
De acordo com o PRJ extraído da Samarco, controle presumido significaria que, “as acionistas consideradas de forma conjunta e/ou isolada, bem como quaisquer de suas respectivas Partes Relacionadas, sucessoras e/ou cessionárias, a qualquer título, a posse, direta ou indireta, de mais de 30% (trinta por cento) do capital social votante da Samarco, considerado em Bases Totalmente Diluídas”.
Recuperação Judicial (art. 50, inciso II, in fine, da LREF) e afeta, inclusive, a Lei das S/A (vide art. 122 da Lei n.º 6.404/1976).
A conduta dos credores financeiros quanto a rejeição do Plano de Recuperação Judicial foi exercida apenas para obtenção de vantagem indevida – apresentação do Plano alternativo, em que a premissa dos termos e condições era essencialmente a tomada de controle da empresa devedora. À propósito, no caso da Samarco, a previsão para pagamento dos credores financeiros (Classe III – Quirografários), era de uma parcela em pecúnia e outra parcela na conversão do crédito devido em participação acionária, com emissão de debêntures, o que é totalmente nulo.
Em resumo, os credores devem adotar uma postura em conformidade com a lei, com a moral e os bons costumes, a ordem pública e a boa-fé objetiva, especialmente quando da realização do conclave para deliberação do Plano de Recuperação Judicial apresentado, e também quando da confecção de Plano alternativo pelos credores. Além disto, o Poder Judiciário, conjuntamente com a atuação do Ministério Público, deve expelir abusos de direito praticado por credores, mormente àqueles cometidos por propositores de Planos alternativos.
Por fim, todos os credores sujeitos aos efeitos da Recuperação Judicial devem observar a proteção do interesse de todas as partes envolvidas no procedimento concursal, jamais colidindo com quaisquer princípios norteadores do sistema de insolvência, da preservação da empresa e de sua função social, sedimentados pelo art. 47 da Lei 11.101/2005.
REFERÊNCIAS:
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresa e falência. 5. São Paulo: Saraiva Jur, 2024.
CAMPINHO, Sergio. Plano de recuperação judicial: formação, aprovação e revisão (de acordo com a Lei n. 14.122/2020). São Paulo: Expressa, 2021.
Art. 122. Compete privativamente à assembleia geral:
I – reformar o estatuto social; II – eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da companhia, ressalvado o disposto no inciso II do art. 142;