Miyslaine Alves Souza
O ano de 2024, vem sendo encarado por especialistas, como o ano da maior quebra de safra das últimas décadas. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), referentes à safra 23/24, para a soja, em comparação com a safra anterior a queda é de aproximadamente 3,4% na produção total e, já o milho, em relação à última safra a queda é de aproximadamente 13,8%.
Um panorama de um contexto extremamente desafiador para os produtores rurais, que conforme ressalta o professor Sérgio de Zen, ex-diretor de Política Agrícola da Conab e atual professor da USP/Esalq, em entrevista concedida ao Jornal Estadão, atualmente enfrentam uma “combinação inédita”, de frustração de safra em um período marcado pela baixa nos preços dos grãos.
Por conta disso, diante do cenário de perdas no montante produzido e dos baixos preços de comercialização, muitos produtores rurais brasileiros encontram-se em uma situação financeira extremamente complicada, em especial no tocante a impossibilidade do adimplemento de financiamento rural assumido junto às instituições financeiras e cooperativas de créditos.
A política agrícola brasileira é regida pela Lei nº 8.171/91, que dispõe inclusive sobre as diretrizes do Plano Safra e, sobre os princípios e objetivos da política agrícola, que dentre outros, encontra-se a promoção e apoio institucional ao produtor rural e estímulo à agroindustrialização. Para isso, prevê no art. 4º as ações e instrumentos que possam tirar tais ideias do papel, como por exemplo o planejamento agrícola e o crédito rural.
O crédito rural, encontra-se previsto em algumas legislações, como pela Lei nº 8.171/91, que em seu art. 50, dispõe sobre sua concessão e requisitos, assim como pelo Manual de Crédito Rural (MCR) do Banco Central, pela Lei nº 4.829/65 e Lei nº 9.138/95, a qual estabelece como um de seus pressupostos a apresentação de um cronograma de pagamento da dívida ajustado à natureza e especificidade de cada operação rural, bem como à capacidade de pagamento e às épocas normais de comercialização dos bens produzidos pelas atividades financeiras.
Todavia, vários fatores podem influenciar e prejudicar o cumprimento do cronograma de pagamento dos financiamentos rurais, como as hipóteses já descritas de frustração e quebra de safra. Entretanto, nestes casos, o produtor rural possui respaldo previsto em lei, para contornar o problema, especialmente para aqueles que não possuem seguro rural, tal como o alongamento da dívida rural.
O alongamento da dívida objeto de financiamento rural conforme o art. 5º da Lei nº 9.138/95, pode atingir todas as operações de crédito rural previstas na Lei 4.829/65, celebradas com instituições financeiras e/ou cooperativas de crédito, mediante Cédulas de Crédito Rural (CCR) ou Cédulas de Crédito Bancários (CCB), quando estas são utilizadas para formalização da operação de crédito rural. Isto pois, o art. 15, alínea “f” da Lei nº 4.829/65, prevê a possibilidade dos órgãos participantes do sistema de crédito rural, conforme o art. 7º da mesma Lei, podem usar de recursos próprios para concessão de crédito, e não apenas os pré definidos em lei.
Todavia, para que um produtor rural possa solicitar o alongamento de sua dívida, alguns passos devem ser realizados, sendo o primeiro, a comprovação da dificuldade temporária para reembolso do crédito, em razão de uma ou mais entre as seguintes situações: a) dificuldade de comercialização dos produtos; b) frustração de safras, por fatores adversos; c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações, todas previstas no capítulo 2, seção 6, item 4 do Manual de Crédito Rural do Banco Central.
Após a organização dos documentos comprobatórios da caracterização de uma ou mais das hipóteses acima, passa-se para o segundo passo, onde o produtor deve proceder com a notificação extrajudicial da instituição credora, informando a necessidade do alongamento da dívida e apresentando novo cronograma de pagamento.
Nesta etapa, é imprescindível que o produtor rural esteja acompanhado por um advogado, especialista na área, que possa identificar possíveis abusos por parte da instituição bancária ou cooperativa credora, como a exigência de novas condições e/ou garantias não celebradas no momento da concessão do financiamento rural, o que se aplicaria apenas na hipótese de renegociação dos termos do contrato e não, para a sua mera prorrogação.
Por fim, cumpre destacar que de acordo com a Súmula nº 298 do STJ, o alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, em outras palavras, desde que atendidos os requisitos previstos na Lei nº 9.138/95, a instituição financeira ou cooperativa de crédito tem a obrigação de conceder a prorrogação do pagamento do crédito ao produtor rural.
Conclui-se assim, que o alongamento de dívida rural é um direito de todo produtor rural que se encontre diante de dificuldades na produção que o impeçam de cumprir com o cronograma de pagamentos de seu financiamento rural. Na medida em que, a fim de manter a produção agrícola, geração de empregos e renda, possibilita-se certa flexibilização nos termos originalmente celebrados entre as partes.
REFERÊNCIAS
BANCO CENTRAL DO BRASIL. MCR – Manual de Crédito Rural. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/mcr. Acesso em: 07 de abril de 2024.
BRASIL. Lei 8.171 de 18 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política agrícola. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1991. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8171.htm. Acesso em: 07 de abril de 2024.
BRASIL. Lei 9.138 de 29 de novembro de 1995. Dispõe sobre o crédito rural, e dá providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1995. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/cciviL_03/leis/L9138.htm. Acesso em: 07 de abril de 2024.
IFAG. CONAB divulga novo levantamento com previsão de quebra de safra 23/24. Disponível em: https://sistemafaeg.com.br/noticias/conab-divulga-novo-levantamento-com-previsao-de-quebra-na-safra-23-24. Acesso em: 07 de abril 2024.
FARIAS, Fernanda. Preços baixos e quebra de safra fazem de 2024 um ano “para profissionais”. Estadão, Agro Estadão. Disponível em: https://agro.estadao.com.br/agropolitica/precos-baixos-e-quebra-torna-safra-para-profissionais. Acesso em: 07 de abril de 2024.