Luana Moreira Martins
A significância do agronegócio no cenário econômico do Brasil é amplamente reconhecida, como atestado pelo fato de que, em 2023, o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio representou 23,8% do PIB nacional, conforme indicado por dados fornecidos pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), ligado à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da Universidade de São Paulo (USP). Essa proporção ressalta de maneira significativa o impacto substancial do setor, que, por sua vez, emprega uma força de trabalho estimada em cerca de 28 milhões de pessoas.
Do mesmo modo, é inegável a importância do agronegócio em escala global, pois está intrinsecamente ligado à realização de direitos fundamentais do indivíduo, tais como o acesso a uma vida digna, a preservação da saúde e, sobretudo, a garantia de alimentação adequada. Portanto, a atividade econômica associada ao campo carrega consigo uma significativa carga de responsabilidade social, ambiental e econômica.
Diante da necessidade de adesão às responsabilidades inerentes à sua atuação, surge o conceito de compliance, que se refere à conformidade das empresas do setor agropecuário com as leis e regulamentações em vigor, ao longo de toda a cadeia de produção. Isso implica na elaboração e implementação de estratégias e procedimentos destinados a garantir a conformidade legal e fortalecer a governança corporativa.
Os pilares fundamentais do compliance no agronegócio não se restringem meramente a obrigações a serem cumpridas pelas empresas, mas também abrangem os resultados e benefícios que podem ser alcançados ao se adotar um programa de conformidade abrangente, que englobe tanto aspectos internos quanto externos e legais. A implementação dessas medidas certamente contribui para o aprimoramento da governança corporativa no setor agroindustrial.
Embora seja um tema amplamente discutido na atualidade, políticas voltadas para a promoção de uma maior responsabilidade social, ambiental e econômica no agronegócio não são uma novidade. Um exemplo notável é a Política Agrícola Comum (PAC), lançada pela União Europeia em abril de 1962 e ainda em vigor, cujos principais objetivos incluem o apoio aos agricultores, o aumento da produtividade agrícola, a garantia de um abastecimento estável de alimentos a preços acessíveis, a promoção de um nível de vida digno para os agricultores, a mitigação das alterações climáticas, a gestão sustentável dos recursos naturais, a conservação das paisagens rurais e o estímulo à economia rural.
No âmbito nacional, após serem amplamente divulgados casos de corrupção, desmatamento, trabalho escravo e deficiências na fiscalização de commodities exportadas, como evidenciado pela “Operação Carne Fraca” em 2017, o governo brasileiro passou a promover e, mais do que isso, a exigir a adoção e o cumprimento de boas práticas por parte dos agentes da agroindústria. Essa iniciativa visa não só melhorar a imagem do país perante a comunidade internacional, mas também evitar futuros embargos e outros impactos negativos.
Os critérios ambientais, sociais e de governança (ESG) e os aspectos relacionados à reputação têm uma aplicação abrangente em toda a cadeia de produção do agronegócio, desde a obtenção de insumos até o manejo adequado de resíduos. É fundamental que as empresas não só garantam o cumprimento das suas próprias atividades, mas também se certifiquem de não estarem vinculadas a terceiros que possam expô-las a riscos reputacionais ou relacionados ao ESG. No contexto do agronegócio, exemplos desses riscos incluem a associação com fornecedores envolvidos em atividades ilegais como desmatamento, trabalho escravo, emprego de menores, crueldade animal, danos ambientais e casos de corrupção.
Adicionalmente, há o risco associado à fraude, proveniente tanto de agentes internos quanto externos, o qual está estreitamente ligado à deficiência ou ausência de controles adequados. No âmbito do agronegócio, exemplos de possíveis práticas fraudulentas incluem a adulteração do conteúdo ou quantidade das cargas entregues, impactando o registro contábil e resultando em disparidades com o inventário físico. Além disso, desvios de insumos, como combustíveis, fertilizantes, agroquímicos, defensivos e outros recursos, para serem comercializados entre pequenos agricultores ou utilizados em suas próprias propriedades, também representam uma forma de fraude potencial neste setor.
A falta de conformidade com as leis e regulamentações, bem como a negligência em relação a questões ambientais, sociais e de governança, podem expor as empresas agrícolas a escândalos, processos judiciais, multas e embargos comerciais. Além disso, casos de corrupção, fraude ou violações dos direitos humanos podem gerar indignação pública, prejudicando a confiança dos consumidores, investidores e parceiros comerciais. A imagem manchada do agronegócio pode resultar em perda de mercado, queda nas vendas, dificuldade de acesso a financiamentos e investimentos, e até mesmo restrições regulatórias mais severas por parte dos governos.
É certo, então, que a implementação efetiva de práticas de compliance no agronegócio é essencial não apenas para garantir a conformidade legal e fortalecer a governança corporativa, mas também para mitigar uma série de riscos, incluindo os relacionados à reputação, ESG, fraude e corrupção. Ao adotar medidas que abrangem toda a cadeia de produção, desde a seleção de fornecedores até a gestão interna de processos, as empresas do setor podem não apenas proteger sua própria integridade, mas também contribuir para a sustentabilidade ambiental, o respeito aos direitos humanos e o desenvolvimento socioeconômico das comunidades onde operam. Portanto, o compromisso contínuo com o compliance não apenas responde às exigências regulatórias, mas também reflete um compromisso ético e responsável com todas as partes interessadas, promovendo assim uma indústria agrícola mais transparente, ética e resiliente.