Letícia Bernardes Studinski
A boa-fé objetiva, princípio disposto no art. 5º do CPC e no art. 422 do Código Civil é um dos mais importantes que regem as normas processuais e os procedimentos, se tratando de uma postura honesta que as partes devem manter durante o curso do processo, a fim de não ocorrer situações desleais.
Tal princípio implica na vedação de comportamento contraditório pelas partes, ou seja, não é possível que um dos polos (ativo ou passivo) apresente comportamento inconsistente com suas declarações anteriores, seus argumentos ou seus próprios interesses ao longo do curso de um processo judicial. Nesse sentido, o art. 1000 do CPC apresenta a impossibilidade da parte de apresentar recurso a decisão que, de forma explícita ou implícita, concordou.
Nesse eixo, é possível entender que o venire contra factum proprium consiste em uma forma de coibir atitudes que abusam dos direitos previstos e dos institutos processualistas e ferramentas jurídicas, como o direito de recorrer a decisão. A proibição legal de comportamento inconsistente com a postura já adotada pela parte anteriormente perfaz um instituto da boa-fé objetiva, que embora não esteja taxativamente previsto na legislação processualista deriva de um dos princípios essenciais que norteiam um processo.
Assim, Joaquim Leitão Júnior leciona que a vedação de comportamento contraditório “trata-se de um instituto derivado da boa-fé objetiva que preconiza que uma pessoa não pode exercer seu direito de forma abusiva, contrariando um comportamento anterior, violando o dever de confiança e de lealdade decorrentes da formação do contrato”.
O entendimento doutrinário entende haver pressupostos para que reste configurado a proibição a ato contraditório, assim Anderson Schreiber explica que o factum proprium, um dos pressupostos, corresponde ao ato inicial, comportamento, o qual ao ser manifestado por alguém, repercute em outras pessoas. Em outras palavras, é um comportamento que não se limita apenas a parte que o pratica, mas afeta também terceiros.
Nessa toada, insta pontuar que há várias decisões judiciais relevantes, no sistema brasileiro, a respeito da doutrina do que se vem denominando de vedação ao comportamento contraditório. jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça entende impossibilidade de comportamento contraditório no processo judicial.
No mais, a título de ilustração, o TJPR decidiu em um processo envolvendo uma seguradora e um segurado nos seguintes termos “Desse modo, ao fornecer um seguro de vida em grupo sem adoção das devidas cautelas em relação à impossibilidade de abrangência pelo limite etário, a seguradora ré aceitou tacitamente a contratação e assumiu o risco, restando incontroverso e devido o pagamento da indenização securitária no presente caso. Sob a perspectiva do princípio venire contra factum proprium, não seria razoável admitir que alguém pratique um determinado ato, ou conjunto de atos, contrários àqueles manifestados de forma consensual no momento da contratação e, posteriormente, atuar de modo completamente distinto”.
Portanto, a fim de manter a coerência dos atos praticados pelas partes durante o curso do processo e preservar a boa-fé e o equilíbrio processual, se constitui o instituto do nemo poteste venire contra factum proprium, visando compelir o comportamento que venha a contradizer os interesses e tese já firmados por uma das partes, garantindo uma segurança jurídica maior ao coibir tal comportamento conflitante.