Isabella Botan
O Plano de Recuperação Judicial é o principal instrumento do procedimento recuperacional para soerguimento da empresa devedora, a ser apresentado dentro do prazo de 60 (sessenta) dias corridos a partir da decisão inicial que defere o processamento da Recuperação Judicial, em que o devedor deve demonstrar os meios de reestruturação (formas de pagamento dos créditos concursais), sua viabilidade econômica e o laudo econômico-financeiro e de avaliação de ativos, por força do art. 53 da Lei 11.101/2005.
De acordo com o art. 54 da Lei 11.101/2005, há limites para dispor quanto aos meios de recuperação, a saber: prazo para pagamento dos créditos trabalhistas não superior a 1 (um) ano; prazo não superior a 30 (trinta) dias para pagamento de crédito trabalhista até o limite de 05 (cinco) salários mínimos, vencidos 03 (três) meses antes do pedido de Recuperação Judicial.
Apresentado o Plano de Recuperação Judicial pelo devedor, o Juiz determinará a publicação do Edital a que se alude o art. 55 da Lei 11.101/2005, mencionando a abertura do prazo de 30 (trinta) dias para exposição de eventuais objeções pelos credores, nos termos do parágrafo único do dispositivo legal mencionado.
A referida hipótese ocorrerá somente caso a publicação do Edital contendo a relação de credores, a ser publicada pelo Administrador Judicial (art. 52, § 1º da Lei 11.101/2005), aconteça antes do recebimento do Plano de Recuperação Judicial nos autos.
Ainda, é possível que a empresa devedora realize aditamento no Plano de Recuperação Judicial inicialmente apresentado, desde que haja requerimento para tanto, através da Assembleia Geral de Credores, a qual estará sujeita ao mesmo quórum qualificado de deliberação previsto para a aprovação do Plano de Recuperação Judicial.
Em caso de aprovação do Plano de Recuperação Judicial, este se torna imutável com o controle de legalidade e a homologação realizada pelo Juízo competente. Na hipótese de descumprimento de quaisquer termos ou condições contidas no Plano, no entanto, a empresa devedora corre o risco de convolar a Recuperação Judicial em Falência, à luz do art. 61, § 1º e art. 62 da Lei 11.101/2005.
Com o intuito de constituir mais um caminho para negociação no âmbito da Recuperação Judicial, a legislação federal trouxe duas possibilidades em que os credores podem apresentar um Plano alternativo: (i) caso decorrido o prazo de blindagem (stay period), sem qualquer deliberação do Plano de Recuperação Judicial acostado nos autos pela devedora e (ii) em eventual rejeição do Plano em Assembleia Geral de Credores.
De igual modo, o Plano de Recuperação Judicial apresentado por credores deve preencher determinados requisitos, como conter discriminação detalhada sobre os meios de recuperação, demonstrar a viabilidade econômica da devedora e o laudo econômico-financeiro e de avaliação de bens.
Sobre o tema, o professor e doutrinador Marcelo Barbosa Sacramone discorre que “a Lei impôs aos credores a obrigação de apresentação também de laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor. O requisito não se justifica. Para além do fato de que os credores não terão acesso aos bens do devedor e às condições para a realização de laudo, o qual tampouco poderia ser produzido em lapso temporal tão curto, referidos laudos já constarão no processo diante de sua apresentação obrigatória pelo próprio devedor. Esses laudos não exigem qualquer alteração, pois a circunstância econômica do devedor, ou seus ativos, não sofreu alterações substanciais do período de rejeição do plano originário até a apresentação do plano alternativo, de modo que não precisam ser substituídos ou reapresentados”.
Ademais, o Plano alternativo não pode imputar novas obrigações aos sócios que não estejam previstas em lei ou impor a devedora e/ou seus sócios obrigações que podem ocasionar em efeitos mais calamitosos que os efeitos da Falência, sendo vedada a quaisquer pioras sobre a situação econômico-financeira da devedora e de seus sócios.
Outro requisito a ser cumprido é quanto ao quórum de aprovação, com apoio de credores que representem, ao menos, 25% da totalidade dos créditos sujeitos ou 35% dos créditos de credores presentes no conclave. Ainda, os credores podem regulamentar a capitalização de créditos e a alteração do controle societário da devedora através do Plano alternativo.
Imperioso destacar que, a ausência de apresentação do Plano de Recuperação Judicial por credores e/ou o não cumprimento de quaisquer dos requisitos acima mencionados, resultará em convolação da Recuperação Judicial em Falência. Caso contrário, apresentado tempestivamente o Plano com o preenchimento dos requisitos necessários, será convocada a Assembleia Geral de Credores para deliberação.
Assim, a jurisprudência pátria vem se consolidando, de modo a não aceitar plano alternativo sem o estrito cumprimento de todos os requisitos impostos na Lei 11.101/2005. Confira-se:
6501904795 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DO GRUPO IDEAL CARE. DECISÃO QUE DECRETOU A FALÊNCIA DA HCH SERVIÇOS DOMICILIARES. Inconformismo da recuperanda. Não acolhimento. Pedido da Administradora Judicial para retificação dos polos ativo e passivo. Rejeição. Embora a decisão que decretou a falência da agravante esteja vigente, ainda permanece o interesse da recuperanda na reforma da decisão agravada. Mérito. Plano de recuperação judicial que não foi aprovado pelos credores presentes na Assembleia Geral. Possibilidade de decretação de falência caso rejeitado o plano pelos credores. Plano de recuperação alternativo apresentado pela credora que deve ser colocado em votação caso satisfeitos os requisitos do art. 56º, §6º, da Lei nº 11.101/05. Requisitos não preenchidos no caso concreto. Apresentação de plano alternativo que é faculdade dos credores. Ausente demonstração de abuso de direito de voto. Pretensão de que os votos dos credores ausentes sejam considerados como concordância tácita ao plano de recuperação. Impossibilidade. Taxatividade da Lei que exige o computo dos votos dos credores presentes. Ainda que as abstenções sejam interpretadas como concordância, não seriam suficientes para atingir o quórum exigido. Precedentes desta Câmara Reservada de Direito Empresarial. Decisão mantida. RECURSO IMPROVIDO. (TJSP; AI 2252467-35.2023.8.26.0000; Ac. 17403136; São Paulo; Segunda Câmara Reservada de Direito Empresarial; Rel. Des. Jorge Tosta; Julg. 30/11/2023; DJESP 06/12/2023; Pág. 1345)
Se o Plano de Recuperação Judicial apresentado pela devedora for rejeitado pela Assembleia Geral de Credores, o Administrador Judicial submeterá ao conclave a oportunidade de apresentação de plano alternativo pelos credores, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, a fim de evitar a convolação em Falência da devedora.
Posto o PRJC em votação na Assembleia Geral de Credores, os demais credores farão a deliberação dos termos ajustados, observando o quórum estipulado no art. 45 da Lei 11.101/2005, e subsidiariamente, o quórum alternativo do art. 58, § 1º da Lei 11.101/2005. Caso seja rejeitado, o Juízo irá convolar a Recuperação Judicial em Falência, à luz do art. 73, inciso III e art. 56, § 8º do mesmo diploma legal.
Outra hipótese para apresentação de plano alternativo por credor, é quando ocorrer o decurso do prazo do stay period sem a deliberação do Plano em Assembleia, a fim de estimular o devedor a portar-se com agilidade para que seu Plano de Recuperação Judicial, inicialmente apresentado, seja aprovado desde logo.
Em suma, denota-se que, o principal objetivo destas hipóteses é garantir que não haja quaisquer abusos ou desídias por parte da empresa devedora, de modo a incentivar a elaboração de um plano efetivo, que atenda os anseios dos credores e possibilite a reorganização em meio à crise econômico-financeira, além de compelir o devedor a agir com proatividade e maior celeridade na negociação com os credores concursais.
REFERÊNCIAS:
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva Jur, 3ª Edição, 2022.
SCALZILLI, João Pedro, Luis Felipe SPINELLI, e Rodrigo TELLECHEA. Recuperação de empresas e falência: teoria e prática na Lei 11.101/2005. São Paulo: Almedina, 2023.
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – comentado artigo por artigo. 15ª. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021.