Letícia Dorini Correia Amendola Speridião
O adicional de periculosidade se traduz pelo direito à uma suplementação à remuneração do empregado que laborar, de forma permanente ou intermitente, exposto a condições perigosas.
Entende-se por perigosa toda atividade que é capaz de colocar em risco a integridade física do colaborador, sobretudo sua vida, de forma imediata. Diferentemente do adicional de insalubridade, que somente é devido àqueles que são expostos a agentes nocivos à saúde, ou seja, o dano é sofrido após longo prazo de exposição, mas não é capaz de ceifar sua vida.
Nesse sentido, foi editado o art. 193, da CLT:
Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:
I – inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;
II – roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.
III – colisões, atropelamentos ou outras espécies de acidentes ou violências nas atividades profissionais dos agentes das autoridades de trânsito.
§ 1º – O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa;
§ 2º – O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido.
§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo.
§ 4o São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta.
§ 5º O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, para consumo próprio de veículos de carga e de transporte coletivo de passageiros, de máquinas e de equipamentos, certificados pelo órgão competente, e nos equipamentos de refrigeração de carga.
Percebe-se que nos incisos constam as hipóteses em que são consideradas como perigosas e, que, portanto, ensejam o direito ao adicional em questão. Cumpre destacar, nesse sentido, que o dispositivo legal, ora objeto da discussão abordada, sofreu inúmeras alterações ao longo dos anos; a alteração mais recente se refere ao ano de 2023, em que foram inseridos ao dispositivo o inciso III e o parágrafo quinto.
Desde a elaboração do referido artigo, já se previa que àqueles que são expostos a inflamáveis, líquidos ou gasosos, possuem o direito de receber a suplementação da remuneração. A norma regulamentadora nº. 16, em seu anexo 2, descreve quais atividades são consideradas perigosas.
Vejamos:
Atividades | Adicional de 30% | |
a. | na produção, transporte, processamento e armazenamento de gás liqüefeito. | na produção, transporte, processamento e armazenamento de gás liqüefeito. |
b. | no transporte e armazenagem de inflamáveis líquidos e gasosos liqüefeitos e de vasilhames vazios não-desgaseificados ou decantados. | todos os trabalhadores da área de operação. |
c. | nos postos de reabastecimento de aeronaves. | todos os trabalhadores nessas atividades ou que operam na área de risco. |
d. | nos locais de carregamento de navios-tanques, vagões-tanques e caminhões-tanques e enchimento de vasilhames, com inflamáveis líquidos ou gasosos liqüefeitos. | todos os trabalhadores nessas atividades ou que operam na área de risco. |
e. | nos locais de descarga de navios-tanques, vagões- tanques e caminhões-tanques com inflamáveis líquidos ou gasosos liqüefeitos ou de vasilhames vazios não-desgaseificados ou decantados. | todos os trabalhadores nessas atividades ou que operam na área de risco |
f. | nos serviços de operações e manutenção de navios-tanque, vagões-tanques, caminhões- tanques, bombas e vasilhames, com inflamáveislíquidos ou gasosos liquefeitos, ou vazios não- desgaseificados ou decantados. | todos os trabalhadores nessas atividades ou que operam na área de risco. |
g. | nas operações de desgaseificação, decantaçãoe reparos de vasilhames não-desgaseificados ou decantados. | Todos os trabalhadores nessas atividades ou que operam na área de risco. |
h. | nas operações de testes de aparelhos de consumo do gás e seus equipamentos. | Todos os trabalhadores nessas atividades ou que operam na área de risco. |
i. | no transporte de inflamáveis líquidos e gasosos liqüefeitos em caminhão-tanque. | motorista e ajudantes. |
j. | no transporte de vasilhames (em caminhão de carga), contendo inflamável líquido, em quantidade total igual ou superior a 200 litros, quando não observado o disposto nos subitens4.1 e 4.2 deste Anexo.(Alterado pela Portaria MTE n.º 545, de 10 de julho de 2000) | motorista e ajudantes |
l. | no transporte de vasilhames (em carreta ou caminhão de carga), contendo inflamável gasosos e líquido, em quantidade total igual ou superior a135 quilos. | motorista e ajudantes. |
m. | nas operação em postos de serviço e bombas de abastecimento de inflamáveis líquidos. | operador de bomba e trabalhadores que operam na área de risco. |
Nesse sentido, os Juízos se depararam com a situação de que colaboradores passaram a requerer o adicional de periculosidade relativo ao próprio tanque do veículo; diferente da situação de caminhões que transportam combustível.
As decisões eram prolatadas tanto para condenar quanto para afastar o direito, sob a luz da hermenêutica e do princípio do livre convencimento do Juízo. As decisões que resultavam em condenação das empresas, se fundamentavam no sentido de que, embora se tratasse de tanque próprio, caso ultrapassasse a quantidade permitida, era devido o adicional.
Em 2019, o que parecia ter sido a solução para pôr fim à divergência jurisprudencial, não fora suficiente: houve a alteração da norma regulamentadora nº. 16 para acrescer o item “16.6.1.1”. Vejamos:
16.6 As operações de transporte de inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos, em quaisquer vasilhames e a granel, são consideradas em condições de periculosidade, exclusão para o transporte em pequenas quantidades, até o limite de 200 (duzentos) litros para os inflamáveis líquidos e 135 (cento e trinta e cinco) quilos para os inflamáveis gasosos liquefeitos.
16.6.1 As quantidades de inflamáveis, contidas nos tanques de consumo próprio dos veículos, não serão consideradas para efeito desta Norma.
16.6.1.1 Não se aplica o item 16.6 às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustível originais de fábrica e suplementares, certificados pelo órgão competente. (Incluído pela Portaria SEPRT n.º 1.357, de 09 de dezembro de 2019)
No entanto, repisa-se, a divergência jurisprudencial não findou com a nova regulamentação. Vejamos exemplos de decisões:
EMENTA: ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. CONDUÇÃO DE VEÍCULO COM TANQUE DE COMBUSTÍVEL COM CAPACIDADE SUPERIOR A 200 LITROS. Seguindo entendimento majoritário do C. TST, o adicional de periculosidade é devido em virtude de o veículo possuir tanque de combustível, extra ou reserva, com capacidade superior a 200 litros, mesmo que para consumo próprio, seja original de fábrica, suplementar ou alterado para ampliar a capacidade.(TRT-2 10000222320215020067 SP, Relator: RICARDO APOSTOLICO SILVA, 17ª Turma – Cadeira 3, Data de Publicação: 14/07/2022)
ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. TANQUE SUPLEMENTAR. A jurisprudência do TST é firme no sentido de que a existência de tanque de combustível suplementar, em quantidade superior a 200 litros, ainda que original (“de fábrica”) e utilizado para abastecimento do próprio veículo, gera direito ao recebimento do adicional de periculosidade, nos termos do item 16.6 da NR-16 da Portaria 3.2014/1978.(TRT-18 – ROT: 00100962720225180083, Relator: ROSA NAIR DA SILVA NOGUEIRA REIS, 3ª TURMA)
Por outro lado, a título de exemplo, de decisão que afastou o direito:
ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. CAMINHÃO COM TANQUES ORIGINAIS DE FÁBRICA. O laudo pericial apontou a existência de dois tanques originais de fábrica nos caminhões que eram conduzidos pelo Reclamante, um com capacidade de 600 litros e outro de 300 litros, totalizando 900 litros de combustível. Os veículos não possuíam tanques suplementares, apenas originais, não se cogitando, pois, de condição periculosa de labor ante o disposto expressamente no item 16.6.1.1 da NR nº 16 do MTE. Recurso ordinário da Ré a que se dá provimento para afastar a condenação ao pagamento do adicional de periculosidade e seus reflexos.
(TRT-9 – RO: 00011521020225090011, Relator: CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA MENDONCA, Data de Julgamento: 15/08/2023, 2ª Turma, Data de Publicação: 16/08/2023)
Nesse sentido, em 22/12/2023 entrou em vigor a Lei nº. 14.766/23 para alterar o dispositivo celetista ao acrescer o parágrafo quinto, em que se determina legalmente a não aplicação do art. 193, CLT, ou seja, que afasta o direito ao adicional de periculosidade por mera exposição a tanque de combustível original de fábrica e suplementares.
Isto posto, conclui-se que após décadas de discussão e interpretações divergentes, inclusive do C. Tribunal Superior do Trabalho, o legislador pôs fim à celeuma abordada no presente artigo.
REFERÊNCIAS
BRASIL. LEI Nº 14.766, DE 22 DEZEMBRO DE 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14766.htm#art2
BRASIL. LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm
BRASIL. NORMA REGULAMENTADORA 16, DE 6 DE JULHO DE 1978. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/comissao-tripartite-partitaria-permanente/arquivos/nr-16-atualizada-2023.pdf
* Formada em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo (2017). Advogada na área trabalhista. E-mail: leticia.speridiao@fmadvoc.com.br