Laís Gobbo Bandera
A Lei 11.101/2005 estabelece mecanismos que buscam viabilizar a preservação das empresas devedoras e garantir a efetividade da recuperação judicial. Dentre estes, ressalta-se o §3º do art. 49 da lei, que dispõe que os atos de constrição, decorrentes dos créditos não sujeitos à recuperação judicial, não recairão sobre os bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o stay period.
Assim, a empresa devedora obtém pelo período de 180 dias – nos termos do § 4º do art. 6º da lei – proteção legal contra a expropriação de bens de capital, desde que estes sejam reconhecidos como indispensáveis para a continuidade da prática empresarial. Esse período, conforme já destacou o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ricardo Villas Bôas Cueva, é crucial para que a recuperanda possa negociar com seus credores sem a possibilidade de esgotamento dos seus ativos operacionais.
Isto posto, conforme o art. 6º, § 7º-A, é de competência do juízo da recuperação judicial determinar a suspensão dos atos de constrição que vierem a incidir sobre os bens de capital essenciais. Contudo, a referida lei não delimita a abrangência do termo “bens de capital essenciais”, cabendo aos julgadores exercer esse papel nos casos concretos.
Dessarte, o Supremo Tribunal de Justiça adota o entendimento de que bens de capital essenciais são aqueles utilizados nos processos produtivos que se encontram em posse direta do devedor, ou seja, são imóveis, máquinas e utensílios fundamentais à produção dos bens de consumo – tais como veículos de transporte, geradores, silos de armazenamento e tratores. Os bens de consumo, por sua vez, são aqueles destinados ao consumidor final, de modo a satisfazer as suas necessidades.
Nesse viés, em sede de julgamento de Recurso Especial (REsp nº 1.991.989), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu consignando que produtos agrícolas não são bens de capital essenciais ao exercício da atividade econômica da empresa. De acordo com a Ministra Nancy Andrighi, os produtos agrícolas, como grãos de soja e milho, compreendem bens de consumo, sendo o resultado de toda a cadeia produtiva e, portanto, não se enquadram ao disposto no art. 49, §3º da Lei 11.101/2005.
À vista disso, para que os bens da empresa em recuperação judicial não sejam vendidos ou retirados de seu estabelecimento durante o stay period, se faz necessário, segundo a Ministra, atender a dois pressupostos: o bem deve ser classificado como de capital e, além disso, ser considerado como essencial ao exercício da empresa.
Desse modo, os ativos financeiros também ficam excluídos da especificação de bens de capital essenciais. A jurisprudência e doutrina, no entanto, considerando o objetivo da recuperação judicial previsto no art. 47 da Lei 11.101/2005, já reconheceu, em casos excepcionais como a Pandemia, a indispensabilidade dos recursos financeiros para a manutenção da empresa. Diante disso, constata-se que a essencialidade dos bens deve, sobretudo, ser analisada com base no caso concreto, sempre visando preservar a empresa devedora e satisfazer seus credores.
Cabe ressaltar, por fim, que após o encerramento do período de suspensão, os bens de capital, mesmo que essenciais à manutenção da atividade econômica da recuperanda, não dispõem de proteção legal contra potenciais atos constritivos advindos das dívidas de credores extraconcursais.
Referências
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. A essencialidade de bens na recuperação judicial. 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/insolvencia-em-foco/390043/a-essencialidade-de-bens-na-recuperacao-judicial. Acesso em: 19 fev. 2024.
SAMPAIO, Felipe. Regras do uso da essencialidade de bens na recuperação judicial. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-dez-06/sampaio-essencialidade-bens-recuperacao-judicial/. Acesso em: 19 fev. 2024.
STJ. Na recuperação judicial, produtos agrícolas não podem ser enquadrados como bens de capital essenciais. 2022. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/30062022-Na-recuperacao-judicial–produtos-agricolas-nao-podem-ser-enquadrados-como-bens-de-capital-essenciais-.aspx. Acesso em: 19 fev. 2024.
[1] Estudante do 4º ano de Direito na Universidade Estadual de Londrina. Assistente jurídica no Federiche Mincache Advogados.