Luana Martins Moreira
O instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica corresponde à suspensão temporária da personalidade jurídica de uma sociedade, visando alcançar diretamente os bens particulares de seus sócios ou administradores, quando se constata a insuficiência de ativos no patrimônio da pessoa jurídica frente às suas obrigações.
A desconsideração da personalidade jurídica é medida extrema, que deve existir exatamente para garantir a autonomia patrimonial e a preservação da empresa, sem que se chegue nos bens dos sócios sem o sólido preenchimento de requisitos legais. Nesse contexto, é necessário comprovar o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
No âmbito do Direito Privado, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, regida pelo art. 50 do Código Civil, requer a prova específica do abuso, sendo desvio de finalidade ou confusão patrimonial. A Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/19) incorporou a interpretação do Superior Tribunal de Justiça, delimitando o abuso da personalidade jurídica em suas duas espécies.
O desvio de finalidade, caracterizado pelo dolo, envolve fraude e a intenção evidente dos sócios de prejudicar credores e terceiros. Já a confusão patrimonial, que exige culpa, refere-se a práticas administrativas negligentes, imprudentes ou imperitas, alinhadas às hipóteses do art. 50, § 2º, do Código Cível.
No contexto da desconsideração da personalidade jurídica, é imperativo reconhecer que a aplicação inadequada desse instituto pode gerar sérias consequências para a empresa envolvida. A responsabilização indiscriminada pode impactar diretamente as finanças da organização, uma vez que os sócios ou administradores poderiam ser penalizados injustamente, resultando em ônus financeiros desnecessários.
Ademais, a reputação da empresa também está em jogo. Decisões precipitadas e baseadas em fundamentos frágeis podem levar a uma imagem negativa no mercado, afastando clientes, parceiros de negócios e investidores. A confiança, um ativo intangível de valor inestimável, pode ser prejudicada, comprometendo o crescimento e a estabilidade da empresa a longo prazo.
Diante desse cenário, a prova específica do abuso da personalidade jurídica torna-se uma salvaguarda essencial. A exigência de evidências concretas, como desvio de finalidade ou confusão patrimonial, estabelece um filtro necessário para evitar decisões precipitadas e proteger a empresa contra responsabilizações injustificadas. Essa abordagem, ao demandar uma análise criteriosa dos fatos, assegura que a desconsideração da personalidade jurídica seja aplicada de forma justa e equitativa.
No Código de Processo Civil, em seu art.133, a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica ganha força, pois é criado um ambiente processual constitucional, pautado pelo respeito ao devido processo legal, visando coibir o uso leviano do instituto, garantindo, assim, a oportunidade de defesa ao requerido.
Ao estabelecer tais preceitos, o Código de Processo Civil busca assegurar não apenas o devido processo legal, mas também a segurança jurídica[2], evitando, assim, os abusos cometidos por alguns tribunais, que adotam a teoria menor, ou seja, desconsideram a personalidade jurídica, sem considerar se houve a concretização de uma das hipóteses das formulações objetiva ou subjetiva (teoria maior), a par de clarear o processo judicial a ser perseguido, com franca segurança social.
Essa clareza no processo judicial, alinhada com o respeito ao devido processo legal, não apenas fortalece a segurança jurídica, mas também contribui para evitar arbitrariedades. Ao adotar uma abordagem mais precisa e fundamentada, o Código de Processo Civil cria um cenário mais equilibrado, proporcionando segurança social diante de situações envolvendo a desconsideração da personalidade jurídica. Essa abordagem visa preservar os direitos das partes envolvidas e, ao mesmo tempo, evitar o uso indiscriminado e injustificado desse instituto, consolidando assim um ambiente judicial mais justo e transparente.
Em uma nação onde, a cada dez empresas que iniciam suas atividades, aproximadamente seis encerram suas operações antes de completarem cinco anos, a constante ameaça da insolvência paira sobre essas entidades. A inquietação quanto à responsabilização imprudente de uma empresa constitui uma razão adicional para ressaltar a importância do devido processo legal e da exigência de provas substanciais na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Esta abordagem não apenas resguarda os interesses financeiros e a reputação da empresa, mas também contribui para a preservação da integridade do sistema jurídico como um todo.Portanto, no âmbito do Direito Privado, a desconsideração da personalidade jurídica conforme o art. 50 do Código Civil, com a redação da Lei da Liberdade Econômica, demanda a comprovação específica do abuso da personalidade jurídica por meio de uma das espécies legais (desvio de finalidade ou confusão patrimonial) pelo interessado em sua aplicação e subsequente responsabilização patrimonial
[1] Advogada do Escritório Federiche Mincache.
[2] Teresa Arruda Alvim Wambier, em artigo intitulado “O que se espera do novo CPC?”, expõem os objetivos do novo CPC, bem como a necessidade de existir segurança jurídica: “[f]undamentalmente que cumpra três finalidades: 1ª) que resolva o problema das partes definitivamente; 2ª) que o faça com agilidade; e 3ª) e que haja melhora na performance do Judiciário, no que diz respeito a dois aspectos: a sua lentidão e a incapacidade de gerar segurança jurídica, no sentido de previsibilidade” […] “a instabilidade e a desuniformidade da jurisprudência desacredita o Poder Judiciário, decepciona o jurisdicionado, desrespeita, inaceitavelmente, o princípio da isonomia, desacredita o país até no âmbito internacional” (realce nosso). (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O que se espera do Novo CPC?, p. 198.)