Miyslaine Alves de Souza
O risco é uma realidade inerente a toda atividade empresarial, sujeitando a empresa a uma série de ameaças ao longo de sua atuação, tanto de caráter interno, como os riscos operacionais, quanto externo, como o caso de uma crise financeira que pode desestruturar toda a cadeia produtiva de determinado empreendimento.
As empresas do setor de transporte de carga, em específico, encontram-se em situação que foge do risco habitual, haja vista que diariamente se colocam expostas a vários fatores externos, alheios ao controle do administrador e de seus funcionários, como por exemplo, quando são alvo de quadrilhas especializadas no roubo de mercadorias. Neste ponto, que se apresenta a importância de se pensar os limites da responsabilidade civil, em especial a prevista no artigo 730 do CC, hipótese específica dos contratos de transporte, que também possuem amparo na Lei nº 11.442/07, que dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros.
Cumpre destacar, que o instituto da responsabilidade civil é um dos principais pilares de todo ordenamento jurídico, pois, nas palavras de Stolze (2012, p. 65) “na sua primeira função (compensatória) encontra-se o objetivo básico e finalidade da reparação civil: retornar as coisas ao status quo ante
No direito brasileiro, a responsabilidade civil está prevista no artigo 186 e, 927 do Código Civil, sendo o primeiro, o responsável por fixar os elementos autorizadores para sua caracterização, quais sejam: a ação ou omissão voluntária, a culpa, o dano e o nexo de causalidade; já, o segundo, determina a obrigação de reparar por parte daquele que por ato ilícito causar dano a alguém.
Todavia, salienta-se que o parágrafo único do referido artigo 927, prevê uma exceção à regra do artigo 186, haja vista que nos casos especificados em lei, há obrigação de reparar o dano independente de culpa, dispensando assim, o preenchimento do requisito da conduta culposa (imprudente ou negligente) por parte do agente causador do dano.
Tal modalidade de responsabilidade civil, também chamada pela doutrina por responsabilidade civil indireta é aquela, segundo Stolze (2012, p. 58), em que a culpa é presumida em função do dever geral de vigilância, como por exemplo o teor do já comentado art. 730, o qual prevê que a empresa transportadora é responsável pela mercadoria transportada, desde o momento em que ela, ou seus prepostos, recebem a coisa, findando apenas com sua entrega ao destinatário.
No mesmo sentido, cumpre mencionar o previsto no art. 8º da referida Lei nº 11.442/07, que da mesma forma, estende a responsabilidade do transportador as ações e omissões de seus empregados, agentes, prepostos ou terceiros contratados ou subcontratados para a execução dos serviços, que cessa apenas, com a entrega da carga ao destinatário.
Entendimento este, que segue a linha de raciocínio positivada no Código de Defesa do Consumidor, especialmente em seu art. 14, o qual impõe ao fornecedor e a todas as empresas que participaram da cadeia de produção, a responsabilidade objetiva para responder por prejuízos causados a terceiros, independentemente da existência de culpa. Assim, em regra, as empresas que assumem o dever pelo transporte da carga, também assumem o risco, sendo obrigadas à reparação de todos os prejuízos causados à mercadoria, até a entrega ao destinatário.
Acontece, que em alguns casos, entre eles a hipótese específica do roubo de carga, a responsabilidade objetiva da empresa pode ser afastada, desde que demonstrada a incidência de alguma das excludentes da responsabilidade civil, previstas em nosso ordenamento. Quanto a isso, Pablo Stolze e Pamplona Filho (2019), prelecionam que as excludentes de responsabilidade civil, podem ser interpretadas como todas as circunstâncias que, por violar um dos pressupostos ou elementos que autorizam a responsabilidade civil, rompem o nexo causal, entre a conduta e o dano, resultando na inexistência de eventual pretensão à indenização.
Ainda segundo o doutrinador (2012, p. 149), são excludentes de responsabilidade civil, o estado de necessidade, a legítima defesa, o exercício regular de direito e estrito cumprimento de dever legal, a culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro e, por fim o caso fortuito e força maior, previsto inclusive no art. 12, inc. V da Lei nº 11.442/07, como causa de liberação da responsabilidade do transportador e seus subcontratados.
Neste sentido, se tratando de roubo de mercadorias transportadas, a jurisprudência se divide em duas principais posições, a primeira, que o roubo de mercadoria se configura como hipótese de caso fortuito, ou seja, de excludente de responsabilidade, pela exceção da inexistência de nexo causal; a segunda, que persiste com o entendimento que a transportadora é responsável pelos danos decorrentes do roubo de carga, contudo, desde que não tomadas as medidas indispensáveis para a prevenção do situação que gerou o dano.
Assim, vê-se que o acórdão do julgamento da Apelação Civil nº 0009164-38.2018.8.16.0001, do Tribunal de Justiça do Paraná, reconheceu que o roubo da carga se configura como hipótese de caso fortuito, ou seja, previsível, mas inevitável, excluindo a responsabilidade do transportador. Do mesmo modo, mantém-se a jurisprudência do C. STJ, que conforme o julgamento do AgInt no REsp nº 2033685, reconheceu o roubo de carga como excludente de responsabilidade quando demonstrado o fato de terceiro, caso fortuito ou força maior. Isto, pois segundo Stolze (2012, p. 160), “o caso fortuito e a força maior, como excludentes de responsabilidade, atacam justamente o nexo de causal do dano perpetrado e não necessariamente o elemento acidental culpa”.
À vista disso, em regra, o roubo de mercadoria é considerado uma excludente de responsabilidade, podendo ser flexibilizada apenas caso seja demonstrado uma conduta imprudente ou negligente por parte da empresa, que pudesse evitar a inevitabilidade característica da excludente de força maior, como a ausência de medidas acautelatórias ou mesmo a falha na prestação de serviços, que concorra para o resultado danoso, qual seja, o roubo da mercadoria transportada.
Referências
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil: volume único. 3 ed. SaraivaJur: São Paulo, 2019.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: responsabilidade civil. 10 ed. SaraivaJur: São Paulo, 2012.
[1] Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá – UEM. Assistente Jurídico do setor Cível Empresarial. E-mail: miyslaine.alves@fmadvoc.com.br.