Muriel Barth
O ato de demitir um empregado que possui processo trabalhista contra seu empregador pode ser entendido como retaliação ou discriminação em razão da atitude do ajuizamento da ação, considerando que a CLT assegura aos trabalhadores o direito de ingressar com ações judiciais quando se sentirem lesados em relação aos seus direitos trabalhistas.
Neste sentido, a empresa deve considerar o seguinte:
a) A Constituição Federal da República garante a todos os empregados o direito de ajuizar ação, não havendo, inclusive, impedimento legal mesmo para aqueles cujo contrato de trabalho esteja ativo.
b) Mesmo que o empregado não tenha direito aos pedidos do processo, o fato do ajuizamento da ação não pode servir como motivo de rescisão do contrato de trabalho por parte do empregador, sem justo motivo.
c) A análise da demissão do empregado que ajuizou ação contra a empresa deve ser individual, de modo a evitar que seja considerada discriminatória e gerar para a empresa a necessidade de reintegrá-lo ou indenizá-lo.
Dessa forma, passamos a analisar os casos em que a dispensa do empregado deve ou não ser evitada.
Os empregados que possuem processos em que um dos pedidos seja a estabilidade provisória do emprego (ex. acidente de trabalho, doença ocupacional, dirigente sindical, membro da CIPA que representa os empregados, gestante) não poderão ser demitidos, salvo se a empresa optar por pagar o período de estabilidade (salários mensais) ao empregado(a), juntamente com as verbas rescisórias da rescisão sem justa causa.
Caso o processo tenha como único pedido o reconhecimento de acidente/doença do trabalho e, não forem estes reconhecidos no laudo pericial médico, poderá a empresa promover a demissão do empregado não estável, antes ou depois do arquivamento do processo, devendo pagar, em até 10 dias após a demissão, os valores das verbas rescisórias que uma demissão sem justa causa requer, tais quais saldo de salário, 13º salário proporcional, férias vencidas + 1/3 (se houver), férias proporcionais + 1/3, aviso-prévio indenizado ou trabalhado, multa de 40% do FGTS, expedição das guias para levantamento do FGTS e para percepção do seguro-desemprego.
Nos casos em que o empregado esteja afastado pelo INSS, o contrato de trabalho se encontra suspenso, ou seja, ele não trabalha, mas também não recebe salário pela empresa e sim, pelo Órgão Previdenciário. Nesse caso, o empregador deverá aguardar a cessação do benefício do empregado e seu retorno às atividades na empresa, para então avaliar a demissão. Vejamos:
Se o empregado que possui ou não a estabilidade, incorrer em justa causa (art. 482 da CLT), se bem fundamentada, ele poderá ser demitido.
Nos casos em que há pedido de rescisão indireta, é possível demitir sem justa causa, porém, há risco de o Autor da ação alegar dispensa discriminatória. Se mesmo assim, a empresa optar pela demissão, deverá pagar ao empregado valores rescisórios como se fosse pedido de demissão pelo empregado e, após liquidação da sentença, em caso de reconhecimento de rescisão indireta, pagar a diferença das verbas rescisórias e demais pedidos, se houver.
Já nos processos em que não há pedido de rescisão indireta, em caso de demissão do empregado, também haverá risco de dispensa discriminatória, pois o empregado não pediu para decretar a rescisão do contrato por culpa do empregador, ou seja, ele pretende continuar trabalhando. Nesses casos, orienta-se aguardar o trâmite da ação ou tentar um acordo. Caso o empregado apresente comportamentos inadequados no ambiente de trabalho, deve-se aplicar as punições cabíveis (advertência, suspensão e justa causa).
Quanto à dispensa discriminatória, esta poderá ser arguida pelo empregado, Autor da ação, no mesmo processo até antes da audiência de instrução, ou, se já precluso esse direito, poderá ser alegada em ação apartada. As decisões dos Tribunais são no sentido de reintegração ou indenização por dano moral ao empregado, lembrando que a este cabe a comprovação da alegação de discriminação sofrida.
Vejamos as decisões dos Tribunais pátrios:
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PAGAMENTO DOS SALÁRIOS EM DOBRO. LEI N. 9.029/1995. A dispensa imotivada em decorrência do ajuizamento de ação trabalhista se enquadra na Lei n. 9.029/95, uma vez que essa não se destina exclusivamente às condutas relacionadas no seu art. 1º, mas a qualquer prática discriminatória contra o acesso e a manutenção da relação de emprego. (TRT-12 – ROT: 00005045120215120053, Relator: MIRNA ULIANO BERTOLDI, 6ª Câmara) Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-12/1888619536
DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. RECONHECIMENTO. RETALIAÇÃO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO TRABALHISTA PELO EMPREGADO NO CURSO DO CONTRATO DE TRABALHO. A dispensa sem justa causa constitui direito potestativo do empregador, mas não é absoluto e encontra limites nos parâmetros éticos e sociais, sob pena de ser considerada discriminatória. O caráter discriminatório da dispensa é de difícil comprovação, mas, no caso dos autos, o fato da dispensa ter sido efetivada 2 meses após o ajuizamento de ação trabalhista pelo reclamante, somado ao fato de haver no sistema interno do reclamado o “motivo administrativo” da dispensa de empregados em decorrência do ajuizamento de ação trabalhista são provas do abuso do poder diretivo do empregador, impondo-se a declaração de nulidade da dispensa e a reintegração do reclamante. Recurso a que se dá provimento. (TRT-3 – ROT: 00108474420225030014, Relator: Des.Antonio Gomes de Vasconcelos, Decima Primeira Turma). Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-3/1914640960/inteiro-teor-19
14640961
DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. AJUIZAMENTO DE RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. RETALIAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. Para ficar demonstrada a existência de dispensa discriminatória é preciso que haja ato claro que indique que o desligamento se deu por um motivo não razoável, no caso, em retaliação pelo ajuizamento de reclamação trabalhista. Entretanto, a autora não se desvencilhou de seu ônus probatório em demonstrar que teria sido dispensada, de forma discriminatória, em razão da propositura da ação. Sentença mantida no tópico específico. (TRT-9 – ROT: 00004984920205090122, Relator: NAIR MARIA LUNARDELLI RAMOS, Data de Julgamento: 27/06/2023, 1ª Turma, Data de Publicação: 29/06/2023). Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-9/1882626310
(…) DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. RETALIAÇÃO AO AJUIZAMENTO DE AÇÃO TRABALHISTA EM DESFAVOR DA EMPREGADORA. REINTEGRAÇÃO. 1. Discute-se, nos autos, se a dispensa decorrente da proposição de ação judicial contra o empregador configura ato discriminatório apto a ensejar o direito à reintegração do empregado. Nos termos do art. 4º da Lei nº 9.029/95, que trata das práticas discriminatórias nas relações de trabalho, o rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório do empregador dá ensejo à reparação de ordem moral, conferindo ao empregado a opção entre a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento ou indenização correspondente. 2. Conquanto a referida Lei nº 9.029/95 traga no seu art. 1º os fatores considerados discriminantes para a dispensa (como sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade), ela não é taxativa, mas meramente exemplificativa, uma vez que, após a enumeração dos referidos fatores, ela acrescenta a expressão”dentre outros”. Dessa forma, a lei sinaliza a possibilidade de serem considerados outros fatores que impeçam o acesso ou a manutenção à relação de emprego, além daqueles nela descritos. 3. Atento ao fato de que, embora a dispensa imotivada seja um direito potestativo empresarial, situando-se na esfera do poder diretivo do empregador, identificada, porém, a dispensa amparada em ato discriminatório ou abuso de direito, é ela considerada ilícita nos termos do art. 187 do CCB. Nesse passo, esta Corte Superior consolidou o entendimento de que o empregador extrapola seu poder diretivo quando dispensa empregado por exercer seu legítimo direito de propor ação judicial (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal). Recurso de revista conhecido, por divergência jurisprudencial, e provido” ( ARR-10988-97.2014.5.03.0061, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 19/11/2021).
Outra medida que poderá ser tomada pela empresa, é a tentativa de acordo para o encerramento da ação e do contrato de trabalho. Nesse caso, a empresa avalia o risco de condenação de cada um dos pedidos, estabelece um valor para acordo e, em contato com o advogado do Autor, oferece uma proposta, antes da audiência de instrução e/ou julgamento final do processo. Nesse caso, o risco será o Reclamante não aceitar o acordo e o processo continuar a tramitar, ou seja, a empresa poderá adotar, inicialmente, procurar o Reclamante e tentar encerrar o processo por meio de um acordo. Não havendo composição pode optar em rescindir o contrato sem justa causa e pagar integramente as verbas trabalhistas, ficando pendente no processo a discussão sobre pedidos, como horas extras, salário “por fora”, adicionais, etc.
Ainda, deve-se levar em consideração que, a realização de acordo em um processo trabalhista é muito mais fácil com o empregado ativo, pois há a possibilidade de realizar a rescisão na própria audiência ofertando a liberação das guias para levantamento do FGTS e seguro-desemprego, o que reduz o valor da pretensão do (a) Reclamante.
Em caso de processos que já foram arquivados, poderá a empresa demitir o(a) empregado(a) que possua ou não a estabilidade, lembrando que deverá pagar todas as verbas rescisórias exigidas nessa forma de rescisão, conforme já exposto, além de indenização do período de estabilidade em caso de empregado estável.
Abaixo, seguem algumas orientações que podem auxiliar as empresas que pretendem demitir empregado que ingressou com processo trabalhista, lembrando que, qualquer atitude sem uma consulta ao jurídico ou a um advogado, poderá acarretar prejuízos ao empregador:
Pelo exposto, conclui-se que, mesmo sendo uma faculdade do empregador em rescindir o contrato de trabalho, caberá em primeiro lugar, uma análise conjunta com o jurídico da empresa, sobre a possibilidade de desligamento do empregado (a), evitando assim qualquer medida que possa causar prejuízos e custos ainda maiores para a empresa, do que a própria Reclamatória Trabalhista.
Bibliografia:
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho: aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
LEX, Editora. Magister Net. Repositório autorizado de Jurisprudência. Tribunal Superior do Trabalho – nº 35/2009
[1] Formação: Direito pela UEM (1997). Mestrado em Ciências Jurídicas pela UniCesumar (2018). Advogada na área trabalhista. E-mail: muriel.barth@fmadvoc.com.br