Michelle Braga Vidal
Anterior à reforma trabalhista, trazida pela Lei 13.467 de 2017, a terceirização estava restrita às atividades genéricas, que serviam de suporte às atividades-fim da empresa.
Contudo, com a aprovação da referida lei, houve alteração no que dispõe a terceirização, sendo auorizado pela CLT outras formas de contratação, além dos contratos de trabalho.
Assim, a CLT trouxe o artigo 442 – B da CLT, que assim dispõe:
Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação.
Neste contexto, surgiu a possibilidade de terceirizar a atividade-fim das empresas, mediante contrato de prestação de serviços, denominada a pejotização de profissionais liberais e o reconhecimento da licitude de outras formas alternativas de relação de trabalho que não o liame empregatício regido pelos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para além do futuro das relações de trabalho em nosso país.
Diante da discussão trazida pela reforma trabalhista, abriu-se no judiciário a validade destes contratos no que se refere a licitude da contratação de mão-de-obra terceirizada, para prestação de serviços relacionados com a atividade-fim da empresa tomadora de serviços, haja vista o que dispõe a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho[1].
À vista disso, o julgamento do Tema 725 da Repercussão Geral – RE 958.252 (Rel. Min. LUIZ FUX), o Supremo Tribunal Federal (STF)reconheceu-se a possibilidade de organização da divisão do trabalho não só pela terceirização, mas de outras formas desenvolvidos por agentes econômicos. A tese, ampla, tem a seguinte redação: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
Ao lançar o voto prevalente no julgamento conjunto dos citados processos, o Ministro Relator, atualmente Presidente da E. Corte, Luís Roberto Barroso, registrou que os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência asseguram “liberdade para o desenvolvimento de atividades econômicas” e de “estratégias de produção em busca dos melhores resultados, maior eficiência e maior competitividade”, sem que se imponha a “adoção de um modelo específico de produção”.
Portanto, no entendimento do C. STF o contrato de prestação de serviços é válido e regular, constituindo vínculos distintos da relação de emprego regida pela CLT.
A interpretação conjunta dos precedentes permite o reconhecimento da licitude de outras formas de relação de trabalho que não a relação de emprego regida pela CLT, como na própria terceirização ou em casos específicos, como a previsão da natureza civil da relação decorrente de contratos firmados.
Além disso, se o contrato firmado envolver por todos os requisitos de validade e eficácia obrigatórios nos contratos de natureza civil, a teor do art. 104, do Código Civil, ou seja, foi firmado por pessoas (agentes) com capacidade, o objeto é lícito e não impedido pela Lei.
Conforme o art. 104, do Código Civil, a validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei.
Ou seja, havendo livre criação da pessoa jurídica por uma pessoa física atuando com vontade e consciência, com previsão de objeto empresarial lícito, possível e determinável, não existe nulidade ou fraude quando esta pessoa física, na condição de administrador do seu negócio, destina a atuação de sua empresa a entes empresarias que contratem pessoas jurídicas para a prestação de serviços em suas atividades principais ou acessórias.
Disso decorre que, após a regular instituição de pessoa jurídica, a posterior estipulação de contrato interempresarial, também com objeto prevendo prestação de serviços lícitos, possíveis, determinados/determináveis, sem os vícios de consentimento a que aludem os arts. 138 e seguintes do Código Civil, demonstram um conjunto jurídico e factual que deve ser respeitado pelo julgador, em respeito à livre iniciativa que rege a atuação econômica em nosso ordenamento jurídico.
Some-se a isso o fato de trazer ao Judiciário a sua versão criada, a partir da sua própria má fé e conduta reprovável, com estórias criadas para seu único benefício e em total descumprimento do seu dever de lealdade processual e boa-fé objetiva, conforme expressamente previsto no artigo 5º, do CPC[2].
Assim, estando ausentes eventual vício de vontade dos contratantes ou nulidade ou irregularidade sobre o referido contrato de prestação de serviço deve ser dirimida pela Justiça Comum, visto que a Justiça do Trabalho é incompetente para julgar o feito.
Nesse sentido tem sido o posicionamento Egrégio Tribunal do Trabalho do Estado do Paraná (TRT 9ª Região):
“PEJOTIZAÇÃO” – CONTROVÉRSIA QUANTO AO VÍNCULO DE EMPREGO – INCOMPETÊNCIA MATERIAL – RECLAMAÇÕES 59.795/MG, 59.836/DF, 57.917/SP e 61.437/MG – REMESSA DO FEITO À JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. O E. STF, quando do julgamento da ADC 48, da ADPF 324, do RE 958.252 (Tema 725), da ADI 5835 e do RE 688.223 (Tema 590), firmou posicionamento no sentido de que a CRFB/1988 permite formas alternativas de relação de trabalho e, conforme decisão proferida na Reclamação nº 59.795, julgada no dia 19/05/2023, de Relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, a competência para a análise da validade do contrato firmado entre as partes é da Justiça Comum Estadual. Recentemente, a discussão sobre a vínculo de emprego quando há contratação de prestação de serviços por meio de pessoa jurídica (pejotização) foi objeto de Reclamação junto ao STF (61.437/SP), com julgamento no dia 15/08/2023, pelo qual se determinou a cassação da decisão proferida pelo TRT da 3ª Região, que reconheceu a formação de vínculo de emprego entre franqueado e franqueador. Nessa senda, e em observância aos referidos julgados, declara-se de ofício a incompetência material da Justiça do Trabalho para processar e julgar o presente feito, determinando-se sua remessa à Justiça Comum Estadual.(TRT-9 – ROT: 0000610-11.2021.5.09.0016, Relator: EDMILSON ANTONIO DE LIMA, Data de Julgamento: 28/11/2023, 1ª Turma, Data de Publicação: 07/12/2023)
Pelo exposto, considerando as jurisprudências recentes e o novo entendimento do STF sobre o tema, se observado os requisitos legais (agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei e ausente vício de vontade), os contratos entre pessoas jurídicas, ainda quo objeto contratual seja atividade-fim da tomadora de serviços, terá sua validade ratificada no judiciário, sendo que qualquer discussão será levada à Justiça Comum, visto que inexistente os requisitos do artigo 2º e 3º da CLT.
Diante das peculiaridades do contrato de prestação de serviços, nos temos definidos pelo Tema 725 do STF, na finalidade de não se confundir com os contratos de trabalho, necessária a participação de um jurídico com conhecimento especializado, visto que, se não observado os requisitos legais, o contrato pode ser considerado nulo e ser julgado na Justiça do Trabalho, sob pena de reconhecimento de vínculo empregatício.
REFERÊNCIAS
BRASIL. LEI Nº 11.442 DE 05 DE JANEIRO DE 2007. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11442.htm
BRASIL. DECRETO-LEI Nº 5.452 DE 1º DE MAIO DE 1943 COM ALTERAÇÕES DA LEI Nº 13.467 DE 13 DE JULHO DE CPC 2017. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm#art3
BRASIL. Tema 725 do STF. Disponível em https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/tema.asp?num=725.
BRASIL. LEI Nº 10.406 DE 10 DE JANEIRO DE 2002. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
* Formada em Direito pela UniCesumar (2008). Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Advogada na área trabalhista. E-mail: michelle.vidal@fmadvoc.com.br
[1] Súmula nº 331 do TST
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
[2] Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.