André Lawall Casagrande
A Recuperação Judicial, conceitualmente, tem o objetivo de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, conforme a redação do art. 47 da Lei 11.101/2005.
É fato que a Recuperação Judicial somente deve ser concedida às empresas que têm efetivas condições de soerguimento, situação que deve ser analisada criteriosamente pelos credores quando da juntada do Plano de Recuperação Judicial, do Laudo de Avaliação de Ativos, e do Laudo Econômico-Financeiro, sob pena de que seja aprovado um Plano insustentável.
O objetivo social é um dos pilares da Lei 11.101/2005, já que é extremamente danosa a possibilidade de decretação de falência de uma empresa economicamente viável. Manter uma empresa que passa por crise ou má administração traz mais benefícios aos trabalhadores, aos clientes, e aos próprios credores, incluindo aí o fisco.
Ocorre que a linha tênue entre viabilidade e inviabilidade passa sempre pelo ponto de vista da devedora, dos credores, da Administração Judicial, e é submetida ao crivo do Poder Judiciário, a quem cabe a decisão final.
Não são poucos os exemplos de devedoras que têm os seus Planos de Recuperação Judicial aprovados, homologados, e simplesmente não conseguem cumpri-lo a contento. Contudo, tal hipótese é tratada diretamente pela Lei 11.101/2005, em seu art. 61, onde se lê que haverá a manutenção do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial, sendo que, durante referido período, o descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano acarretará a convolação da recuperação em falência, nos termos do art. 73.
Contudo, surgem dúvidas quanto à possibilidade de convolação da Recuperação Judicial em Falência ainda na fase postulatória, ou seja, antes da votação ou homologação do Plano de Recuperação Judicial, na hipótese de a devedora paralisar suas atividades, ou demonstrar resultados ruins.
De se ressaltar, ainda, que as hipóteses de convolação da Recuperação Judicial em Falência arroladas no art. 73 da Lei 11.101/2005 são taxativas, em virtude das consequências gravosas que da Falência decorrem, equivalendo-se a uma penalidade legalmente imposta ao devedor em soerguimento.
Por isto, Falência será decretada por deliberação da Assembleia Geral de Credores, pela não apresentação, rejeição ou descumprimento do Plano de Recuperação Judicial, pelo descumprimento dos parcelamentos tributários, e quando identificado o esvaziamento patrimonial da devedora que implique liquidação substancial da empresa.
Ou seja, num primeiro momento, a Assembleia Geral de Credores deverá definir o rumo da Recuperação Judicial, já que as hipóteses legais de convolação da Recuperação Judicial em falência dizem respeito à rejeição do Plano de Recuperação Judicial, ou de seu descumprimento.
A paralisação das atividades da devedora, ou a baixa performance da atividade empresarial não se encontram no rol taxativo em questão, e, portanto, não permitem a convolação automática da Recuperação Judicial em Falência.
O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, inclusive, já se debruçou sobre o tema, cassando r. Decisão de convolação da Recuperação Judicial em falência com base na ausência de previsão da suposta inatividade empresarial no rol taxativo do art. 73 da Lei 11.101/2005:
98564615 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE CONVOLOU A RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA. Taxatividade das hipóteses de convolação em quebra arroladas no artigo 73 da Lei nº 11.101/2005. Precedentes do STJ. Suposta inatividade empresarial. Situação estranha ao rol taxativo. Insolvência jurídica sujeita à apuração em processo falimentar autônomo. Exegese do artigo 73, §1º, da lfrj. Decisão cassada. Recurso conhecido e provido. (TJPR; AgInstr 0043628-52.2022.8.16.0000; Curitiba; Décima Sétima Câmara Cível; Rel. Des. Subst.Ruy A. Henriques; Julg. 12/04/2023; DJPR 17/04/2023)
Merece destaque a conclusão do Desembargador Ruy Alves Henriques Filho quando da prolação do v. Acórdão:
Como se vê, a paralisação das atividades empresariais, a sonegação de informações, a quebra de transparência ou a sucessão irregular da empresa por sociedade coligadas não autorizam a peremptória convolação da recuperação em falência.
No mesmo sentido, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, deu provimento a Recurso Especial “a fim de cassar a decisão de convolação da recuperação judicial em falência e determinar que o magistrado de primeiro grau providencie a convocação de nova assembleia geral de credores, dando-se prosseguimento ao feito”.
Portanto, fora das hipóteses do art. 73 da Lei 11.101/2005, não há que se cogitar da convolação da Recuperação Judicial em Falência, cabendo a análise fática de maneira criteriosa, sempre com vistas ao soerguimento.
REFERÊNCIAS
BRASIL, LEI Nº 11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>; Acesso em: 13/03/2024.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Não é possível convolar a recuperação judicial em falência com base em confissão da empresa recuperanda de impossibilidade de continuar adimplindo o plano aprovado e homologado, sem que efetivamente tenha ocorrido o descumprimento deste. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/a6a38989dc7e433f1f42388e7afca318>. Acesso em: 14/03/2024.
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência.Saraiva Educação. 2ª ed. São Paulo, 2021.
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: lei 11.101/05: Comentada artigo por artigo. Manoel Justino Bezerra Filho, Adriano Ribeiro Lyra Bezerra, Eronides A. Rodrigues dos Santos. 16ª ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.