Aldemir Marques Inacio Junior
O IDPJ – Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, regulado no ordenamento pelo art. 50 do Código Civil[ii], trata-se de um instituto que possibilita a extensão da execução para recair sobre os bens dos sócios da pessoa jurídica inadimplente em caso de abuso da personalidade jurídica, o qual é caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
Tal instituto, hodiernamente é motivo de debate no Egrégio Superior Tribunal de Justiça, isso porque, e meados de 2023, fora proposto o julgamento do Tema nº 1209 do STJ, qual possivelmente será julgado ainda em 2024.
O Tema nº 1209, visa discorrer acerca da aplicabilidade do instituto do IDPJ nas execuções fiscais e, por conseguinte, estipular os critérios necessários para que este seja aplicado no caso concreto.
Em seu teor é exposto a complexidade da celeuma, primeiro porque o STJ deverá decidir se o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) é compatível, ou não, com a execução fiscal. Segundamente, se afirmativa a sua aplicabilidade, o Superior Tribunal deverá determinar sobre quais fundamentos jurídicos em que o pedido de redirecionamento poderá ser baseado para que o IDPJ seja admitido na esfera fiscal, tendo em vista que os resultados podem ser diversos sob a ótica do Código Civil, do Código Tributário Nacional ou ainda de legislações esparsas.
Em síntese, o que se visa garantir com o julgamento da controvérsia, é uma maior segurança jurídica quanto o instituto dentro dos processos fiscais e fixar o Tema Repetitivo com a finalidade de vincular os demais aplicadores do Direito. Isso porque, as Colendas Turmas do STJ e os demais Egrégios Tribunais Federais apresentam inúmeras divergências entre si, o que acaba prejudicando o Direito das partes.
Em que pese, a Primeira Turma do STJ venha entendendo[iii] pela necessidade de instauração do IDPJ nas execuções fiscais, esta deve ser utilizada de forma excepcional e somente nas hipóteses em que há responsabilização de terceiro responsável diretamente pelo abuso de direito, fraude e simulação nas hipóteses de previstas no artigo 50 do CC e desde que não comprovadas as hipóteses de responsabilidade previstas no art. 134[iv] e art. 135[v] do CTN, ainda que sua solidariedade não esteja identificada na Certidão de Dívida Ativa – CDA.
É oportuno ressaltar que, pelo que se extrai do julgado, a Primeira Turma do STJ defende que a Lei de Execução Fiscal e o Código de Processo Civil são complementares, portanto, sendo plenamente possível a aplicação do instituto, na medida em que o art. 134 do CPC dispõe a possibilidade de utilização do IDPJ em execuções de títulos extrajudiciais em geral, o qual, possui rito similar no caso de execuções fiscais em que o crédito fazendário tenha origem em CDA.
Por outro lado, demonstrando ainda a ausência de entendimento pacificado, a Segunda Turma do STJ, pelo caminho contrário dos demais colegas de Tribunal, posicionou-se pela incompatibilidade do IDPJ com o rito das execuções fiscais, especialmente porque a responsabilização de terceiros, tratada nos artigos 134 e 135 do CTN, não necessitaria da desconsideração da pessoa jurídica devedora, já que a responsabilidade dos sócios é atribuída por força da própria lei.[vi]
Ainda, por além disto, estes entenderam que a aplicação do Código de Processo Civil não seria complementar ao Código Tributário Nacional, sendo reservada para situações em que as leis específicas são silentes e incompatíveis, na medida em que dispõem procedimentos absolutamente diferentes, a exemplo da defesa na execução fiscal em que não é permitida a sua apresentação sem prévia garantia do juízo, tampouco, a suspensão automática do processo, conforme o Art. 134 §3º do CPC.
Nos Tribunais Regionais Federais (TRF’s) a situação é complexa, o TRF-3, por meio do Órgão Especial, estabeleceu uma tese mais abrangente do que a Primeira Turma do STJ, indicando a indispensabilidade do IDPJ em casos específicos. Entretanto, o TRF-3 também acorda com a dispensa do incidente em pedidos fundamentados nos artigos 132, 133, I e II, e 134 do CTN.
Não obstante, outros TRF’s apresentam diversas abordagens destoantes: o TRF-2 rejeita o IRDR do TRF-3 sem detalhar a compatibilidade com a execução fiscal, o TRF-5 segue a linha da Primeira Turma do STJ, e o TRF-4 adota uma postura semelhante à Segunda Turma do STJ, mas com votos divergentes.
Salienta-se que reconhecer a aplicabilidade do IDPJ na execução fiscal, implica em garantir a defesa prévia a terceiros que não faziam parte da relação processual original. Assim, apesar de preocupações com a possível lentidão processual e perda de efetividade, é crucial que haja a observância dos direitos fundamentais à ampla defesa e ao contraditório.
[i] Graduando em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Assistente Jurídico da Federiche Mincache Advogados.
[ii] Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
[iii] TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. GRUPO ECONÔMICO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CABIMENTO. 1. “O redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome na CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, daí porque, nesse caso, é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora” ( REsp 1.775.269/PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 1/3/2019). Precedentes da Primeira Turma do STJ. 2. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no REsp: 1823488 PR 2019/0187119-0, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 26/04/2021, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/04/2021)
[iv] Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidàriamente com êste nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
[v] Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de podêres ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
[vi] REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA. I – Impõe-se o afastamento de alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015, quando a questão apontada como omitida pelo recorrente foi examinada no acórdão recorrido, caracterizando o intuito revisional dos embargos de declaração. II – Na origem, foi interposto agravo de instrumento contra decisão que, em via de execução fiscal, deferiu a inclusão da ora recorrente no polo passivo do feito executivo, em razão da configuração de sucessão empresarial por aquisição do fundo de comércio da empresa sucedida. III – Verificado, com base no conteúdo probatório dos autos, a existência de grupo econômico e confusão patrimonial, apresenta-se inviável o reexame de tais elementos no âmbito do recurso especial, atraindo o óbice da Súmula n. 7/STJ. IV – A previsão constante no art. 134, caput, do CPC/2015, sobre o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na execução fundada em título executivo extrajudicial, não implica a incidência do incidente na execução fiscal regida pela Lei n. 6.830/1980, verificando-se verdadeira incompatibilidade entre o regime geral do Código de Processo Civil e a Lei de Execuções, que diversamente da Lei geral, não comporta a apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo, nem a automática suspensão do processo, conforme a previsão do art. 134, § 3º, do CPC/2015. Na execução fiscal “a aplicação do CPC é subsidiária, ou seja, fica reservada para as situações em que as referidas leis são silentes e no que com elas compatível” ( REsp n. 1.431.155/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/5/2014). V – Evidenciadas as situações previstas nos arts. 124, 133 e 135, todos do CTN, não se apresenta impositiva a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, podendo o julgador determinar diretamente o redirecionamento da execução fiscal para responsabilizar a sociedade na sucessão empresarial. Seria contraditório afastar a instauração do incidente para atingir os sócios-administradores (art. 135, III, do CTN), mas exigi-la para mirar pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos para blindar o patrimônio em comum, sendo que nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito. VI – Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.(STJ – REsp: 1786311 PR 2018/0330536-4, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 09/05/2019, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/05/2019)