Mariana Santana Tavela[1]
O conceito do instituto familiar modificou-se no decorrer do tempo, sofrendo inúmeras mutações. Partindo dessa premissa, resta conclusivo que a esfera jurídica necessita regulamentar as relações sociais, com o fito de proporcionar uma base familiar disciplinada e instituída em sociedade.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, no Brasil, a família consagrou-se como base da sociedade, onde se modificou a ideia de patriarcalismo, até então existente no país. Tal mudança de paradigma, foi de suma importância para que novos princípios pudessem ser assinalados no Direito de Família, tais como: o da parentalidade responsável, o da dignidade da pessoa humana, o da igualdade entre os filhos advindos ou não do casamento e o da afetividade.
Sendo assim, a proteção ao núcleo familiar se embasa na tutela da própria pessoa humana, sendo inaceitável (e inconstitucional) toda e qualquer forma de violação da dignidade da pessoa humana, sob o pretexto de garantir proteção à família. O espaço da família na ordem jurídica se justifica como um núcleo privilegiado para o desenvolvimento da pessoa humana.
Nesse quadro, deve ser observado que muito se discutiu na esfera jurídica se a Responsabilidade Civil poderia ser utilizada no âmbito do Direito de Família, tendo em vista o caráter extremamente subjetivo e humanitário que comporta tal disciplina.
A palavra responsabilidade tem origem do verbo latino respondere que significa obrigação que determinado agente tem em responder às consequências jurídicas de sua atividade (GAGLIANO, 2012, p. 46).
Assim, a violação de um dever jurídico configura um ilícito, que acarreta um dano para outrem, que é capaz de gerar um novo dever jurídico, qual seja: o de reparar o dano. Dessa forma, a violação de um direito gera o dever secundário de indenizar o prejuízo (CAVALHIERI FILHO, 2012, p. 2).
Ao se analisar o artigo 186 do Código Civil, pode-se extrair os elementos que ensejam a responsabilidade civil, quais sejam: conduta humana (negativa ou positiva), dano ou prejuízo, e nexo de causalidade (GAGLIANO, 2012, p. 74).
Sabe-se que a responsabilidade civil pode atingir a esfera patrimonial (danos materiais) e extrapatrimonial da vítima (danos morais). O dano moral é o dano que atinge o ofendido como pessoa, e não o seu respectivo patrimônio. É a lesão que ofende os direitos da personalidade, como por exemplo a honra, a dignidade, como se analisa nos artigos 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, acarretando ao ofendido dor, tristeza, sofrimento, vexame e humilhação (GONÇALVES, 2012, p. 332).
Desta forma, o dano moral não é causado por uma perda pecuniária, mas abrange em todos os aspectos a reputação da vítima (LOPES, 2006, p. 274). Sendo assim, pode-se mencionar que o dano moral é a ofensa daquilo que não se pode quantificar e daquilo que não é comerciável, sendo a ofensa direta aos direitos personalíssimos.
Diante disso, é de se reconhecer que a dificuldade de mensurar o dano e arbitrar a condenação não pode ser argumento para afastar a possibilidade de compensação, que servirá para atenuar a dor e o sofrimento e não para retomar o status quo ante.
Nesse aspecto, a doutrina majoritária atribui ao dano moral uma dupla natureza jurídica: compensatória e punitiva. Compensatória porque o objetivo é satisfazer a vítima pelo fato da lesão sofrida, e punitiva porque a finalidade é reprimir o agente causador do dano pelo ato praticado. Contudo, o cunho principal é compensar o dano sofrido e não impor uma pena (OLTRAMARI, 2006, p. 14).
Perante admissibilidade de indenização por danos morais, tal tema leva a discussão sobre a aplicabilidade dos preceitos da responsabilidade civil, serem levados ao âmbito de Direito de Família, já que este é um ambiente no qual há a ocorrência de lesão aos direitos da personalidade, bem como de situações de caráter extremamente subjetivas.
Especificamente quanto ao abandono afetivo cabe mencionar que a posição doutrinária que defende a condenação por danos morais e assevera que para haver a realização da dignidade da pessoa humana e outros direitos personalíssimos devem estar inseridos a solidariedade familiar, afeto, amor e respeito.
O que envolve o ser humano e serve como uma subjetividade decisiva na psique é a afetividade, não podendo ser desmembrada do seu crescimento de forma de criação. Deve ser salientado que o afeto é fundamental para o crescimento da vida psíquica e emocional do ser humano. (RIZZARDO, 2007, p. 685-686)
Logo, é de reconhecer que a ausência de afeto gera prejuízos para o ser humano, envolvendo a realização pessoal e a felicidade do mesmo. Nessa toada, como o abandono pode acarretar vários danos, principalmente no que tange ao desenvolvido do menor, deve ser utilizado os requisitos da Responsabilidade Civil para analisar a possibilidade ou não da condenação ao pagamento da indenização.
O tema da possibilidade de indenização por danos morais advindo do abandono paterno afetivo, ainda é muito restrita e controversa na seara jurídica brasileira. Referido assunto, encontra determinada resistência em nossos Tribunais, tendo em vista o caráter subjetivo de quantificar a ausência de afeto.
As decisões que embasam a possibilidade de indenização nesses casos salientam que a ausência de amor não pode ser caracterizada como um ato ilícito, mas sim a falta dos deveres atinentes ao planejamento familiar e paternidade responsável.
Nesse âmbito de decisões favoráveis[2], a indenização de dano moral pelo abandono afetivo, não se pode deixar de mencionar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça de caráter inédito, no Recurso Especial n. 1.159.242/SP, julgado em abril de 2012, onde a maioria dos Ministros manteve a condenação realizada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo o pai que realizar à filha o pagamento decorrente do abandono afetivo, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
Portanto, a condenação em danos morais no que tange ao abandono afetivo visa compensar o dano sofrido, inibindo ações semelhantes e evitar que determinadas ocasiões sejam causadas aos filhos, em outras situações semelhantes, não se vislumbrando o aspecto punitivo em sua aplicabilidade.
[1] Especialista em Direito Civil, Empresarial e Processo Civil; Advogada; Maringá, Paraná, Brasil; mariitavela@gmail.com.
[2] Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1087561/RS, Ministro Relator: Raul Araújo, Data publicação: 13.06.2017;
Superior Tribunal de Justiça. REsp 1698728/MS, Ministro Relator: Mouro Ribeiro, Data publicação: 04.05.2021;