Natan Roberto Tissei São José
A Lei 11.101/2005, que regulamenta recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, dispõe no art. 1º sobre a competência para compor o polos ativos do pedido de recuperação judicial, quais sejam, os empresários e as sociedades empresárias. Neste sentido, nota-se, a princípio sobre a necessidade da constituição da pessoa jurídica para ingressar com o pedido.
No entanto, com o advento da Lei 14.112/2020, no art.48, § 3º[2], foi inserida a possibilidade de que o produtor rural pessoa física ingresse com o pedido de Recuperação Judicial, isto é, mesmo sem a constituição de um CNPJ.
Neste sentido, cabe esclarecer sobre as maneiras mencionadas para a comprovação de que o produtor rural pessoa física exerça suas atividades há mais de dois anos e a necessidade ou não da comprovação do produtor perante a Junta Comercial para se valer da equiparação à atividade empresária.
A abertura do tema se dá com o disposto no art. 971 do Código Civil, que aborda o sobre empresário rural e a validade da atividade empresária:
Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.
Ante à faculdade oferecida ao produtor rural de ingressar no regime empresarial mediante inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, passando a ser equiparado ao empresário, sobreveio a dúvida quanto à possibilidade de o produtor rural pessoa física, mesmo aquele que não se habilitou perante o Registro Público de Empresa Mercantis, requerer a Recuperação Judicial.
Nas alterações da Lei 14.112/2020, não houve, pelo Legislador a tratativa sobre a necessidade ou não da inscrição no Registro Mercantil, motivo pelo qual a questão restou incontroversa.
Diante da complexidade do tema e imprevisibilidade das decisões, o STJ, através do Tema Repetitivo 1145 firmou o seguinte entendimento:
“Ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos, é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro.”
Nota-se, assim, que a comprovação do tempo de atividade rural não está ligada ao período de inscrição na Junta Comercial, mas sim, aos documentos que dispõe o parágrafo 3º do art.48, da Lei 11.101/2005, ou seja, o empresário deve estar constituído perante a Junta Comercial no momento do pedido, mas sem um prazo mínimo para tanto.
Agregando ao exposto, o enunciado 97 do CJF 8 III da Jornada de Direito Comercial, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, vai ao encontro do entendimento do STJ:
“O produtor rural, pessoa natural ou jurídica, na ocasião do pedido de recuperação judicial, não precisa estar inscrito há mais de dois anos no Registro Público de Empresas Mercantis, bastando a demonstração de exercício de atividade rural por esse período e a comprovação da inscrição anterior ao pedido.”
Dessa maneira, nota-se que a constituição do empresário perante a Junta Comercial para o pedido de recuperação judicial tem caráter declarativo e não constitutivo, vez que a comprovação da atividade empresária se dá pelos documentos elencados no art. 48.
Neste sentido, o objetivo do Legislador em trazer a equiparação do produtor rural pessoa física com a figura empresarial e buscando distinguir a atividade empresária das atividades pessoais do produtor rural pessoa física, também trouxe as previsões dos valores a serem listado no pedido de recuperação judicial.
Conforme previsto no § 6º do art. 49 da LRF[3], estarão sujeitos à Recuperação Judicial os créditos ligados exclusivamente à atividade rural, como por exemplo Cédulas de Créditos Bancários para a fomentação das atividades agrícolas, pagamento de fornecedores e os demais valores ligados a manutenção das atividades rurais.
Diante da exclusão dos débitos pessoais e que não visam pela manutenção das atividades agrícolas, aquiridos pelo produtor rural pessoa física da recuperação judicial, nota-se o objetivo do Legislador em distinguir a atividade empresarial pela figura do produtor rural pessoa física, das suas atividades pessoais.
Ante o exposto, é possível notar as complexidades ligadas à recuperação judicial do produtor rural pessoa física e suas peculiaridades, bem como a necessidade da distinção entre os aspectos empresariais e pessoais da pessoa física.
[1] Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2024). Assistente Jurídico na área de Recuperação Judicial. E-mail: natan.tissei@fmadvoc.com.br
[2] Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
[…]
§ 3º Para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente.
[3] Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos
§ 6º Nas hipóteses de que tratam os §§ 2º e 3º do art. 48 desta Lei, somente estarão sujeitos à recuperação judicial os créditos que decorram exclusivamente da atividade rural e estejam discriminados nos documentos a que se referem os citados parágrafos, ainda que não vencidos.