Letícia Bernardes Studinski
Ao constituir uma sociedade empresarial os sócios assumem obrigações mútuas para alcançar objetivos comuns, estabelecendo as regras de estrutura e funcionamento da empresa no contrato social, bem como é estipulado a porcentagem das quotas-partes de cada sócio e suas funções dentro da sociedade.
Contudo, pode ocorrer de um dos sócios não conseguir cumprir com suas obrigações pecuniárias perante terceiros, o que possibilita uma execução judicial ou extrajudicial contra esse sócio devedor e havendo hipótese de uma execução em curso, o credor irá buscar meios de satisfazer seu crédito como penhora das contas bancárias, arresto de bens e afins, mas não obtendo os valores pretendidos, o credor poderá se valer de medidas alternativas, como a penhora de quota parte do devedor em uma sociedade empresarial.
Assim como dispõe o artigo 1.026 do Código Civil possibilita a penhora de quotas sociais “(…) na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação”. Oportunamente, cumpre ressaltar que em conformidade com o art. 591 do CPC o devedor é responsável por suas obrigações com a totalidade de seus bens, presentes e futuros, logo como o referido código não exclui expressamente as quotas de sociedade limitada da penhora, esta se revela admissível.
Ocorre que, no geral isso é um cenário nada desejado aos demais sócios da sociedade em questão, principalmente se composta por núcleo familiar ou de relação estritamente pessoal, visto que caso efetivada a referida penhora das quotas sociais, o credor estranho as relações e estrutura da empresa pode vir a ser sócio participante dessa.
Sendo assim, em vista do fato de que a sociedade de natureza limitada é amplamente adotada no Brasil surge a necessidade de entender as alternativas e medidas que podem ser tomadas quando ocorrer essa situação, para manutenção da estrutura da empresa nos moldes desejados pelos sócios e a preservação da sociedade.
Nesse sentido, Silvio de Salvo Venosa disciplina que ao constituir uma sociedade, os sócios procuram firmar tal parceria com alguém que compartilha de seus interesses, valores e visão de mercado, o que é denominado pelo doutrinador como affectio societatis ou animus societatis, definido como a intenção de associação e cooperação recíproca.
A affectio societatis é reconhecida como um princípio fundamental do direito societário, sendo considerada pelo Superior Tribunal de Justiça como um “elemento específico do contrato de sociedade comercial”, caracterizado pela intenção de colaboração e aceitação conjunta dos riscos inerentes ao negócio.
Contudo, tal compatibilidade e interesse em firmar parceria varia de acordo com a espécie de sociedade, se ela for de capital fechado, o seu animus societatis é característica indispensável, sendo que as sociedades limitadas conceitualmente têm como característica preponderante de constituição a affectio societatis, como disciplina Marcelo Sacramone.
Nesse liame, o entendimento doutrinário acerca da penhorabilidade da sociedade limitada diverge ao passo de que André Luiz Santa Cruz Ramos critica a ideia de que a penhora de quotas não afeta o vínculo societário, alegando que, em sociedades de pessoas, isso pode prejudicar a affectio societatis e levar à dissolução da empresa. Consoante o exposto, há entendimento do STJ no REsp 148.497/MG, que entende no sentido de que as quotas na hipótese de sociedade limitada seriam em princípio, penhoráveis, contudo se pré-existente cláusula impediente, deve-se ser respeitada a fim de preservar a affectio societatis, que restaria comprometida com a participação de um estranho não desejado.
Por essa linha, Humberto Theodoro Júnior explica que realizada a penhora os demais sócios tem direito de preferência e à propósito do tema, o art. 861 do CPC prevê que, caso os sócios não se interessem pela preferência na aquisição das quotas ou ações penhoradas, a sociedade poderá ainda: realizar a liquidação contábil das quotas ou ações, com depósito do valor em juízo, a sociedade pode adquirir as próprias quotas ou permitir sua alienação em leilão judicial.
Logo, em que pese a penhora de quotas seja permitida, isso não implica necessariamente na entrada do credor na sociedade e a legislação oferece alternativas para satisfazer o crédito sem afetar a affectio societatis quais sejam: (i) a execução pode incidir sobre os lucros do devedor, conforme o Art. 1.026 do Código Civil; (ii) a sociedade pode remir a execução, conforme o Art. 651 do CPC; (iii) os sócios têm preferência para adjudicar as quotas penhoradas, conforme o Art. 685-A, §4º do CPC; ou (iv) o credor pode solicitar a dissolução parcial da sociedade e a liquidação da quota do devedor, conforme o parágrafo único do Art. 1.026 do Código Civil.
Isto posto, observa-se que à luz do princípio da preservação da empresa, a penhorabilidade das quotas sociais em sociedades limitadas é um tema que gera considerável debate no direito societário, uma vez que enquanto o Código Civil e o CPC permitem a penhora dessas quotas, visando garantir o cumprimento de obrigações do sócio devedor, a legislação, doutrina e a jurisprudência indicam alternativas para mitigar impactos negativos sobre a estrutura da sociedade e preservar a affectio societatis.
Portanto, apesar da penhorabilidade ser permitida, a legislação oferece mecanismos para preservar a continuidade da sociedade e evitar a entrada de terceiros indesejados, assegurando que a penhora não afete negativamente a affectio societatis e a estrutura da empresa.