No ordenamento jurídico brasileiro, a concessão da justiça gratuita é um tema complexo e suscetível a intensas ramificações doutrinárias e jurisprudenciais, o que levanta debates a respeito da utilização de critérios objetivos para deferimento e indeferimento do benefício. O efeito dessa situação é perceptível nos julgamentos repetitivos em curso no Superior Tribunal de Justiça sobre a possibilidade de restrição do conceito de hipossuficiência financeira, com o objetivo de garantir ao mesmo tempo o princípio constitucional do amplo acesso à justiça, sem comprometer a capacidade econômica do sistema judiciário.
A problemática é complexa por envolver conflitos entre a necessidade de critérios objetivos e o requisito de consideração de circunstâncias fáticas peculiares, o que demanda uma discussão mais ampla sobre o conceito de indeterminação do direito e a aplicação do conceito de pobreza.
Os artigos 98 e 99 do Código de Processo Civil tratam sobre a gratuidade da justiça, estabelecendo que a hipossuficiência financeira deve ser considerada verdadeira quando alegada pela parte, na hipótese de pessoa natural. Essa presunção é relativa, podendo ser desconstituída caso haja elementos nos autos que provem o contrário; o que permite, de modo geral, alcançar os fins do dispositivo, mas continua aberto a interpretação judicial, sujeito a decisões particulares e não padronizadas, especialmente em relação a critérios objetivos fixados, como a renda mensal do requerente.
Por um lado, há quem defenda que o juiz precisa ter a liberdade interpretativa de determinar, caso a caso, se a parte de fato não possui condições de arcar com os custos do processo, em razão das peculiaridades e subjetividade de cada situação. Por outro, existem argumentos de que a observância dos critérios é importante para a segurança jurídica e para a aplicação do princípio da igualdade. Entretanto, o uso de regras padronizadas de caráter legal pode gerar resultados injustos ao não observar questões essenciais relativas à vida da pessoa, como despesas essenciais ou situações excepcionais que possam afetar sua condição financeira.
Diante disso, é sustentável que o STJ deve, sim, evoluir para a fixação de parâmetros objetivos, porém, desde que sejam criteriosos e que tais parâmetros sejam, na verdade, aplicados de forma subsidiária, como já vinha sendo sugerido nos acórdãos mais recentes. Isto é, tais parâmetros não devem ser absolutos ou intransponíveis, mas meramente indicativos, que norteiem o juiz ao analisar um caso concreto.
Assim, o magistrado não perde a sua discricionariedade para analisar as peculiaridades do caso concreto, mas, ao mesmo tempo, promove alguma segurança jurídica, uma vez que impede que o juiz decida com base em critérios meramente pessoais e discricionários. Pense-se, por exemplo, numa tabela indicativa que determina faixas de renda, patrimônio etc., como sinalizadores de que o indivíduo deve ou não ser beneficiado com a gratuidade.
Obviamente, tal indicativo não torna a decisão do magistrado automática, ele pode, e deve, considerar aqueles parâmetros como uma base, mas sem deixar de ponderar e apreciar as demais circunstâncias relevantes, como o número de dependentes, condições de saúde, despesas emergenciais etc., que podem compreensivelmente influir na capacidade de pagamento do indivíduo.
Outra questão que pode ser pertinente é o risco da banalização da gratuidade de justiça, ou seja, ofertar o benefício de forma indiscriminada seria um incentivo às partes litigantes à proposição de ações temerárias ou má-fé, onerando ainda mais o já sobrecarregado Judiciário brasileiro.
A falta de critérios mais rigorosos para concessão prejudicaria a isonomia entre os litigantes, vez que aqueles efetivamente carentes seriam tratados da mesma forma que aqueles que, embora financeiramente capazes de arcar com as custas dos processos, buscam se furtar do pagamento.
Em síntese, a criação de critérios objetivos não pode ser descartada de primeiro plano, pelo contrário, pode ser usada como uma ferramenta para garantir isonomia e previsibilidade, contanto que aplicada de forma que os critérios sejam flexíveis, simples e demonstrem a realidade econômica do indivíduo.