Hugo Pellegrini
Nos últimos anos, o agronegócio brasileiro, frequentemente reconhecido como um dos pilares econômicos do país, tem enfrentado desafios significativos que impactam sua estabilidade e potencial de crescimento. Entre esses desafios, destaca-se o aumento expressivo dos pedidos de recuperação judicial por parte de produtores rurais. Conforme dados recentes, houve um salto de 535% nos pedidos de recuperação judicial em 2023, segundo estudo da Serasa Experian. Este fenômeno, embora alarmante à primeira vista, exige uma análise mais profunda para entender as causas subjacentes e as implicações para o futuro do setor.
A Nova Dinâmica do Crédito no Agronegócio
A relação entre os produtores rurais e o mercado de crédito sofreu mudanças significativas nos últimos anos, especialmente devido à evolução da legislação e à resposta do setor financeiro às crises econômicas. O aumento nos pedidos de recuperação judicial pode ser atribuído a um conjunto de fatores que incluem a volatilidade dos preços das commodities agrícolas, os elevados custos de produção, e as condições climáticas adversas. Esses elementos, quando combinados, criam um ambiente de alta incerteza e risco, que dificulta a gestão financeira dos produtores e, consequentemente, o acesso ao crédito.
A resposta do governo, com medidas que restringiram a emissão de certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs), também contribuiu para essa nova dinâmica. Com a queda abrupta na emissão desses títulos, o mercado financeiro tornou-se mais cauteloso, refletindo em uma menor oferta de crédito para o setor. O impacto dessas mudanças é visível na redução do giro financeiro dos CRAs e na diminuição das novas emissões, o que, por sua vez, limita as opções de financiamento dos produtores.
No entanto, é importante destacar que, apesar do aumento nos pedidos de recuperação judicial, o número absoluto de casos ainda é relativamente baixo quando comparado ao tamanho do mercado e ao número de produtores. Isso sugere que o problema, embora preocupante, não seja sistêmico, mas sim concentrado em produtores que já enfrentavam dificuldades financeiras.
Desafios Jurídicos e Econômicos na Recuperação Judicial
A recuperação judicial, prevista na Lei 11.101/2005, permite a reestruturação de empresas em dificuldades, incluindo produtores rurais. No entanto, os desafios enfrentados pelos produtores que recorrem a essa medida hoje são distintos daqueles observados no passado.
Um dos principais desafios é o novo cenário legislativo, que trouxe prazos mais rígidos e excluiu diversas modalidades contratuais das dívidas sujeitas à recuperação judicial. Essas mudanças visam aumentar a eficiência dos processos de recuperação, mas também aumentam a pressão sobre os produtores para que estes cumpram os prazos e atendam aos requisitos legais. A convocação da assembleia geral de credores, por exemplo, deve ocorrer dentro de 150 dias, e o plano de recuperação deve ser aprovado em até 360 dias. Caso contrário, os credores podem apresentar um plano alternativo ou até mesmo optar pela falência, o que coloca os produtores em uma posição delicada.
Além disso, a exclusão de contratos com cláusula de alienação fiduciária e contratos de CPR física dos efeitos da recuperação judicial significa que os produtores têm menos margem de manobra para negociar suas dívidas. As instituições financeiras estão hoje mais preparadas para lidar com crises financeiras de seus clientes, utilizando garantias mais robustas para proteger seus interesses. Isso aumenta o risco de que os produtores não consigam reestruturar suas dívidas de forma satisfatória, levando a uma possível falência.
Outro desafio significativo é a maior fiscalização das atividades da empresa em recuperação judicial. Os administradores judiciais, que auxiliam o juiz no processo, têm agora um papel mais ativo na supervisão das operações dos produtores, exigindo registros contábeis mais rigorosos e transparência nas atividades. Para muitos produtores rurais, que historicamente operam com processos de controle menos sofisticados, essa exigência pode representar um obstáculo adicional.
Impactos Econômicos e o Futuro do Agronegócio
A recuperação judicial, embora seja uma ferramenta valiosa para a reestruturação de negócios em dificuldades, pode ter impactos negativos sobre o custo do crédito rural. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, recentemente expressou preocupação com a “banalização” dos pedidos de recuperação judicial, alertando que isso poderia elevar os custos do crédito e restringir ainda mais o acesso ao financiamento no setor. Se essa tendência continuar, poderá haver um efeito cascata, com revendas e distribuidores sendo afetados, o que, por sua vez, reduziria as margens futuras dos produtores.
Por outro lado, é importante reconhecer que o agronegócio é um setor cíclico, sujeito a variações de mercado e condições externas. Nos últimos anos, a produção de grãos no Brasil registrou recordes consecutivos, impulsionada por preços elevados das commodities agrícolas. No entanto, os sinais recentes de queda nos preços e o aumento dos custos de produção sugerem que o setor pode estar entrando em uma fase de ajuste. Isso pode significar margens menores para os produtores em 2024, como previsto por especialistas, mas também pode abrir novas oportunidades de investimento, especialmente para aqueles que se posicionarem de forma estratégica no mercado.
A chave para a sustentabilidade do agronegócio nos próximos anos estará na capacidade dos produtores de adaptarem suas operações e estruturas financeiras às novas realidades do mercado. Isso inclui a renegociação de dívidas, a revisão de prazos de pagamento, e a busca por soluções alternativas de financiamento que não dependam exclusivamente dos mecanismos tradicionais.