Natan Roberto Tissei São José
A Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº 11.101/2005), desempenha um papel crucial na manutenção das atividades empresariais que enfrentam dificuldades financeiras. No entanto, a legislação não define de maneira explícita o conceito de “bens de capital essenciais” para a continuidade das operações empresariais, o que gera desafios tanto na interpretação quanto na aplicação prática dessa norma. A lei confere ao juízo recuperacional a competência para suspender atos de constrição sobre bens essenciais nos artigos 6º, §7-A e 7-B, e 49, §3º, mas não especifica quais bens são considerados essenciais, criando um vácuo interpretativo.
Neste sentido, o art. 49, §3º da referida Lei, veda a venda ou retirada dos bens de capital essenciais durante o stay period, mas sem definir claramente o que são esses bens. O Decreto nº 2.179/97, em seu artigo 2º, define bens de capital como máquinas, equipamentos, instrumentos e peças de reposição utilizadas no processo produtivo. No entanto, essa definição é considerada limitada por parte da doutrina, como bem argumenta o Professor Paulo Penalva e o Ministro Luís Felipe Salomão, no sentido que o capital de giro também deveria ser incluído na definição de bens essenciais para o funcionamento da empresa: “No entanto, essa não deve ser a única interpretação à expressão “bens de capital” prevista no § 3º do art. 49. Para a finalidade da Lei 11.101/2005, é razoável entender que o capital de giro da sociedade em recuperação seja considerado essencial para o seu funcionamento, da mesma forma que o são os equipamentos e demais bens utilizados na sua produção”.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem abordado essa questão em diversas decisões. No REsp 1.758.746/GO, a 3ª Turma do STJ definiu bens de capital como aqueles corpóreos, móveis ou imóveis, não perecíveis, que possam ser entregues ao credor fiduciário após o fim do stay period. Dessa forma, dinheiro, recebíveis e grãos não são considerados bens de capital essenciais. No REsp 1.991.989/MA, a ministra Nancy Andrighi esclareceu que produtos finais da atividade empresarial, incluindo produtos agrícolas, não se enquadram como bens de capital essenciais.
A exclusão de bens como recebíveis, grãos e capital de giro da proteção judicial pode inviabilizar a operação de empresas, especialmente aquelas que dependem de alienação fiduciária para suas operações. Créditos garantidos por esses bens não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, o que agrava a situação.
Os credores, naturalmente, buscam assegurar que seus créditos sejam considerados extraconcursais, permitindo a retirada imediata dos bens não classificados como de capital. Argumentam que apenas bens corpóreos e duráveis devem ser protegidos durante o stay period, enquanto bens consumíveis, como dinheiro e grãos, não oferecem a mesma segurança.
Para equilibrar os interesses de credores e empresas em recuperação, propõem-se medidas como o afastamento da cláusula de vencimento antecipado, que remove a previsão de antecipação do vencimento do contrato em caso de pedido de recuperação judicial. Isso evita a retirada de capital essencial e incentiva negociações. A renovação de garantias permite o parcelamento do débito e a substituição das garantias, como a cessão fiduciária de créditos futuros, garantindo o capital necessário para a empresa. A destinação parcial dos recebíveis, dividindo-os entre pagamento da dívida e manutenção das atividades empresariais, assegura a continuidade operacional e a segurança jurídica dos créditos.
A solução para os desafios enfrentados pela recuperação judicial está na busca por um equilíbrio entre os interesses dos credores e das empresas devedoras. A flexibilização do conceito de bens essenciais e a adoção de medidas que permitam a continuidade das operações empresariais são fundamentais. A renovação das garantias, a análise individualizada da essencialidade e a mediação entre as partes são caminhos promissores para a preservação da atividade econômica e a segurança jurídica dos direitos dos credores. O judiciário desempenha um papel crucial ao decidir, caso a caso, sobre a melhor forma de satisfazer as obrigações sem comprometer a viabilidade das empresas em recuperação.
A proteção dos bens essenciais durante a recuperação judicial exige uma abordagem equilibrada e flexível, que leve em conta as necessidades específicas de cada empresa em recuperação. Embora a legislação vigente ofereça uma estrutura básica, ela demanda interpretações e adaptações que reflitam a realidade das empresas e dos credores. É crucial que as decisões judiciais evoluam nesse sentido, promovendo uma conciliação eficaz entre os interesses das partes envolvidas, para assegurar tanto a recuperação econômica quanto a segurança jurídica.