Gustavo Henrique da Silva Araujo
Os crimes materiais cometidos contra a Ordem Tributária se encontram tipificados nos artigos 1ª, incisos I a IV e 2ª, inciso II da Lei 8.137/90. Cuidam-se de crimes próprios, isto é, o tipo penal exige uma qualidade especial do sujeito ativo. In casu, em regra, o crime somente pode ser praticado pelo sujeito passivo da obrigação tributária, nos moldes do art. 121 do CTN.
Além do sujeito passivo da obrigação tributária, outras pessoas também podem concorrer para esse delito, conforme prevê o art. 11 da Lei 8137/90.
Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que o simples fato de alguém não pertencer ao quadro societário da pessoa jurídica não inviabiliza a imputação do crime de sonegação fiscal, dado que o liame causal estaria estabelecido em razão de sua qualidade de procurador da empresa, tendo inclusive sua participação suficientemente descrita na inicial acusatória. (STJ, 6ª Turma, HC 86309/MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura).
Esclarece-se que, com exceção dos crimes ambientais, não é possível, atualmente, responsabilizar penalmente a pessoa jurídica. Apesar da disposição do artigo 173, § 5º, da Constituição da República, não existe uma norma legal infraconstitucional que estabeleça a responsabilidade penal nos crimes praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
O ponto de partida para a aferição da responsabilidade penal é o contrato ou o estatuto social, pois, a partir deles, verifica-se formalmente a posição de cada indivíduo dentro da pessoa jurídica.
Ressalta-se que, embora a condição de sócio-administrador ou dirigente seja um requisito inicial para se verificar a responsabilidade penal, essa posição dentro da empresa não é, por si só, suficiente para ensejar a responsabilização penal. Se assim fosse, estar-se-ia diante de uma hipótese de responsabilidade penal objetiva.
É necessário, portanto, demonstrar o real papel do sujeito dentro da empresa, bem como o seu vínculo com a conduta delituosa, evidenciando de que modo ele contribuiu para a prática criminosa.
De pronto, indaga-se: é necessário aguardar uma decisão definitiva do Fisco quanto à existência do crédito tributário para processar e julgar alguém por crime material contra a ordem tributária ou não há necessidade de aguardar o desfecho no Fisco para processar e julgar alguém por crime material contra a ordem tributária?
Com a entrada em vigor do art. 83 da Lei 9430 nos idos de 1996, surgiu na doutrina um posicionamento no sentido de que a persecução penal nos crimes tributários necessitaria de uma condição de procedibilidade, qual seja, da decisão final, na esfera administrativa, acerca da exigência fiscal do crédito tributário. Assim, a ação penal seria pública condicionada.
Todavia, o entendimento acima não foi acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, consoante se verifica do julgamento da ADI 1571, ocasião em que restou deliberado: a) os crimes tributários são delitos de ação penal pública incondicionada; b) o art. 83 da Lei 9430/96 funciona como notitia criminis. Assim, a autoridade fazendária somente deve encaminhar uma notitia criminis quanto a um delito contra a ordem tributária quando houver a conclusão do procedimento administrativa de lançamento; c) O MP pode ajuizar ação penal independentemente dessa notitia criminis.
A decisão final do procedimento administrativo é uma condição objetiva de punibilidade, isto é, cuida-se de uma condição localizada entre o preceito primário e secundário da norma penal. Sem a ocorrência dessa condição, a persecução penal não pode ser deflagrada. É denominada de condição objetiva, pois independe do dolo ou culpa do agente. É a posição majoritária na doutrina e a acolhida pelo STF.
Cumpre ressaltar que para os crimes materiais é necessário o lançamento definitivo do crédito tributário, ao passo que para os crimes formais não há tal exigência (Súmula Vinculante nº 24 do STF).
O entendimento consagrado na súmula vinculante 24 não tem incidência na fase investigativa, ou melhor, o lançamento definitivo do crédito tributário não é indispensável para a instauração de inquérito policial. Dessa forma, é correto dizer que o inquérito policial para apuração do delito do art. 1º da Lei 8137/90 pode ser instaurado, malgrado inexista a conclusão do procedimento administrativo fiscal.
Um ponto que merece destaque é: se a dívida ativa estiver garantida por contrato de seguro no bojo de execução fiscal há que se falar em inexistência de justa causa para a deflagração da ação penal militar nos crimes fiscais?
A resposta é negativa. Sobre o tema, a jurisprudência do STJ possui entendimento de que “conquanto o débito fiscal tenha sido garantido na origem, o certo é que não se equipara ao pagamento do tributo, razão pela qual não enseja, imediata e obrigatoriamente, o trancamento da ação penal, como almejado” (AgRg no AREsp 1.230.863/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta ‘
Acrescente-se, não tendo sido afastada a constituição definitiva do débito tributário por sua garantia no âmbito da execução fiscal, também não é obrigatória e legalmente impositiva a suspensão da ação penal. Nesse sentido, “a garantia do crédito tributário na execução fiscal – procedimento necessário para que o executado possa oferecer embargos – não possui, consoante o Código Tributário Nacional, natureza de pagamento voluntário ou de parcelamento da exação e, portanto, não fulmina a justa causa para a persecução penal, pois não configura hipótese taxativa de extinção da punibilidade ou de suspensão do processo penal” (RHC 65.221/PE, Sexta Turma, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, DJe 27/6/2016).
Portanto, constata-se que os crimes materiais cometidos contra a Ordem Tributária são delitos de ação penal pública incondicionada, se mostra necessário o lançamento definitivo do crédito tributário, sendo a decisão final do procedimento administrativo uma condição objetiva de punibilidade e que a responsabilização recai sobre o agente que praticou a infração penal.
REFERÊNCIAS
BARROS, Paulo de Carvalho. Direito tributário – Linguagem e Método.Noeses. São Paulo, 2021.
CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm
LEÃO, Martha. Fundamentos Constitucionais da Tributação. In: PINTO, Alexandre Evaristo; PITMAN, Arthur; SILVA, Fábio Ferreira da. Manual de Gestão Tributária, 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2023, p. 16.
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Método, 2020.
PISCITELLI, Tathiane. Curso de Direito Tributário. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2024.
PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo, 14ª ed. São Paulo: SaraivaJur, 2023. E-book.