Muriel Barth
Resumo: Não incomum, as empresas se deparam com ações de representantes comerciais pleiteando o reconhecimento de vínculo empregatício. Algumas considerações devem ser feitas, principalmente quanto à obrigatoriedade de inscrição do representante no Conselho Regional dos Representantes Comerciais do Estado – CORE, com o intuito, por parte da empresa, de evitar a descaracterização do contrato de representação comercial para reconhecimento de vínculo de emprego. No entanto, os Tribunais têm decidido no sentido de que apenas a ausência do registro não é capaz de descaracterizar o contrato de representação, desde que as provas documentais e testemunhais sejam favoráveis para o representado, ora empresa.
A distinção do representante comercial do vendedor empregado é exatamente a autonomia com que o primeiro realiza as suas atividades, como por exemplo, possuir carteira própria de clientela, não exigência do por parte da empresa de metas de vendas, ter liberdade de abrir cadastros de novos e excluir clientes, não possuir o dever de prestar contas ao seu representado ou supervisor, e sim, apenas ser orientado, etc.
Porém, na maioria das vezes, por falta de orientação jurídica, algumas empresas são obrigadas a contratar um advogado para que realize a sua defesa em ações em que os representantes comerciais pleiteiam o reconhecimento de vínculo empregatício com o representado, pois alega que recebia ordens e sua jornada era monitorada, assim como não detinha total autonomia do seu trabalho.
Em caso de Reclamatória Trabalhista ajuizada em que os pedidos se pautam no suposto vínculo de emprego, a empresa deverá comprovar (ônus que lhe cabe), por meio de documentos e testemunhas, de que o representante comercial não possui os requisitos do artigo 3º da CLT, tais quais, subordinação, exclusividade, onerosidade e não eventualidade.
Além desses requisitos, alguns Tribunais Regionais do Trabalho, entendem que a falta de inscrição do suposto representante no Conselho Regional dos Representantes
Formação: Direito pela UEM (1997). Mestrado em Ciências Jurídicas pela UniCesumar (2018). Advogada na área trabalhista. E-mail: muriel.barth@fmadvoc.com.br
Comerciais do Estado – CORE, é mais um indício de que a representação comercial está mascarando o vínculo empregatício e assim, este deve ser reconhecido.
Apesar do entendimento externado, a maioria dos TRT’s possuem convicção contrária, ou seja, julgam no sentido de que a ausência de inscrição no CORE, por si só, não possui o condão de reconhecer o tão almejado vínculo do representante com a empresa.
Nesse sentido, é o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, eis que a ausência do registro no CORE, por si só, não descaracteriza o contrato de representação comercial, contudo, entre os Tribunais Regionais, a matéria ainda é controversa.
Vejamos algumas decisões dos TRT’s em que não houve reconhecimento de vínculo de emprego pela ausência do registro do representante comercial no CORE:
23119735 – REPRESENTANTE COMERCIAL AUTÔNOMO. VÍNCULO DE EMPREGO. REGISTRO NO CONSELHO REGIONAL. REQUISITO MERAMENTE FORMAL. A falta do registro do representante comercial autônomo no Conselho Regional previsto na Lei nº 4.886/1965 é critério meramente formal que não implica reconhecimento de vínculo empregatício. Recurso desprovido. (TRT 9ª R.; ROT 0000238-14.2020.5.09.0011; Segunda Turma; Rel. Des. Carlos Henrique de Oliveira Mendonça; Julg. 07/06/2022; DJE 09/06/2022). Exclusividade Magister Net: Repositório autorizado On-Line do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009.
30088563 – RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. REPRESENTANTE COMERCIAL. VÍNCULO EMPREGATÍCIO NÃO RECONHECIDO. AUSÊNCIA DE REGISTRO NO ÓRGÃO COMPETENTE. IRREGULARIDADE FORMAL. Considerando os efeitos da confissão ficta do Recorrente, que geram a presunção de veracidade das alegações da defesa quanto à matéria fática, e ainda a prova documental consistente no contrato de representante comercial, não há como reconhecer a existência de vínculo empregatício. No que tange à ausência de inscrição do Recorrente como representante comercial no respectivo conselho regional, conforme obriga o art. 2º da Lei nº 4.886/1965, tal fato implica apenas em irregularidade formal, não possuindo o condão de afastar a aplicação da Lei nº 4.886/1965 e caracterizar uma relação empregatícia. Recurso Ordinário conhecido e não provido. (TRT 11ª R.; ROT 0000359-08.2022.5.11.0014; Primeira Turma; Rel. Des. Alberto Bezerra de Melo; DJE 17/11/2023). Exclusividade Magister Net: Repositório autorizado On-Line do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009.
35203235 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DESCABIMENTO. VÍNCULO DE EMPREGO. NÃO CONFIGURAÇÃO. REPRESENTANTE COMERCIAL. AUSÊNCIA DE REGISTRO NO ÓRGÃO COMPETENTE. IRREGULARIDADE FORMAL. 1. O Tribunal Regional, ao examinar o conjunto probatório constante dos autos, entendeu que o autor detinha autonomia na direção de suas atividades, inexistindo subordinação jurídica na prestação de serviços, razão pela qual considerou não haver vínculo empregatício entre as partes, ainda que ausente o registro de representação comercial no órgão competente. 2. Ressalte-se que a jurisprudência desta Corte segue no sentido de que a ausência de inscrição do representante comercial no respectivo Conselho Regional é irregularidade formal, que não possui aptidão para, por si só, afastar a incidência da Lei nº 4.886/65 e, por conseguinte, caracterizar a relação empregatícia pretendida. 3. Nesse contexto, impossível vislumbrar-se afronta aos arts. 2º e 3º da CLT e 2º da Lei nº 4.886/65. Eventual acolhimento das arguições da parte implicaria, inevitavelmente, o revolvimento dos fatos e prova dos autos, procedimento incompatível com a fase extraordinária em que se encontra o processo, nos termos da Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TST, 3ª Turma, AIRR-20828-93.2016.5.04.0333, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 21/08/2020). (TRT 18ª R.; ROT 0010532-37.2020.5.18.0121; Primeira Turma; Rel. Des. Welington Luis Peixoto; Julg. 28/04/2022; DJEGO 29/04/2022; Pág. 1198). Exclusividade Magister Net: Repositório autorizado On-Line do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009.
Outras decisões abaixo, em sentido contrário:
34317483 – RECURSO ORDINÁRIO. VÍNCULO DE EMPREGO. REPRESENTANTE COMERCIAL. A representação comercial é profissão regulamentada, regida pela Lei nº 4.886/95, que estabelece requisitos formais para a atuação na representação comercial, requisitos esses que não foram preenchidos no caso dos autos. Estabelece o art. 2º da norma: “É obrigatório o registro dos que exerçam a representação comercial autônoma nos Conselhos Regionais criados pelo art. 6º desta Lei”. É incontroverso que o autor não era registrado no Conselho Regional dos representantes comerciais, bem como não foi firmado contrato de representação comercial. Além disso, o conjunto probatório demonstrou a existência de vínculo empregatício. Recurso provido. (TRT 17ª R.; ROT 0000695-53.2022.5.17.0011; Primeira Turma; Rel. Des. Valdir Donizetti Caixeta; DOES 10/10/2023). Exclusividade Magister Net: Repositório autorizado On-Line do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009.
27150434 – RECURSO ORDINÁRIO. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. FRAUDE. PRESENÇA DOS ELEMENTOS DO VÍNCULO DE EMPREGO. Embora o reclamante tenha sido contratado como representante comercial, evidencia-se nos autos que ele era, na verdade, empregado subordinado da empresa reclamada, por longos dez anos, estando presentes todos os elementos do vínculo de emprego, destacando-se, além disso, que o empregado nem ao menos tinha registro de representante comercial no CORE. Conselho Regional dos Representantes Comerciais. Correto, pois, o reconhecimento do vínculo de emprego. FGTS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. Conforme entendimento jurisprudencial consagrado na Súmula nº 362, II, do C. TST, para os casos em que o prazo prescricional já estava em curso em 13.11.2014, aplica-se o prazo prescricional que se consumar primeiro: trinta anos, contados do termo inicial, ou cinco anos, a partir de 13.11.2014. Havendo a presente ação sido ajuizada em 14.12.2020, ou seja, depois de cinco anos a partir de 13.11.2014, deve-se aplicar a prescrição quinquenal, em atenção ao efeito modulatório conferido pelo E. STF nos autos do ARE nº 709.212/DF. Recurso ordinário a que se dá parcial provimento. (TRT 13ª R.; ROT 0000991-75.2020.5.13.0005; Segunda Turma; Rel. Des. Edvaldo de Andrade; DEJTPB 07/02/2022; Pág. 286)
31307580 – VÍNCULO DE EMPREGO. REPRESENTANTE COMERCIAL. PESSOA JURÍDICA CONSTITUÍDA PARA ACOBERTAR FRAUDE TRABALHISTA. Diante da ausência de contrato de representação comercial, inexistência de registro no Conselho Regional de Representantes Comerciais. CORE, e demonstrando a prova dos autos a prestação de serviços não eventual, oneroso e com subordinação, com criação de pessoa jurídica após o início das atividades para acobertar fraude trabalhista, deve ser reconhecido o vínculo empregatício entre as partes. (TRT 12ª R.; ROT 0001043-63.2019.5.12.0028; Terceira Câmara; Relª Desª Quézia de Araújo Duarte Nieves Gonzalez; DEJTSC 05/05/2021). Exclusividade Magister Net: Repositório autorizado On-Line do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009
No TST, o entendimento, como já exposto, é de que a ausência do registro não descaracteriza a atividade de representação comercial:
86000480 – AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. RELAÇÃO DE EMPREGO. REPRESENTANTE COMERCIAL. AUSÊNCIA DE REGISTRO NO CONSELHO DE CLASSE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA Nº 126 DO TST. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. 1. A finalidade precípua desta Corte Superior, na uniformização de teses jurídicas, não autoriza a revisão do conjunto fático-probatório já analisado pelo Tribunal Regional, na esteira do entendimento consolidado pela Súmula nº 126/TST. 2. Na hipótese dos autos, não se trata de mero reenquadramento jurídico dos fatos, tendo em vista a efetiva necessidade de revolver o acervo probatório para adotar conclusão diversa daquela obtida pelo TRT. 3. As alegações recursais da parte, no sentido da existência de relação de emprego, contrariam frontalmente o quadro fático delineado no acórdão regional, segundo o qual não ficou demonstrado o preenchimento de todos os requisitos caracterizadores do vínculo empregatício, devendo ser destacada a nítida ausência de subordinação jurídica. Restou assentado pelo Colegiado de origem, expressamente, que os serviços, nos moldes como prestados, encontram-se em consonância com o cumprimento das obrigações atribuídas ao representante comercial, à luz da Lei nº 4.886/65. 4. Desse modo, o acolhimento de suas pretensões demandaria necessariamente o reexame do acervo probatório, procedimento vedado nesta esfera extraordinária. 5. Por outra vertente, esta Corte firmou entendimento de que a mera inexistência de registro no Conselho de classe é insuficiente para afastar a incidência da Lei nº 4.886/65, de modo a impor, automaticamente, o reconhecimento da relação empregatícia. Mantém-se a decisão recorrida. Agravo conhecido e desprovido. (TST; Ag-AIRR 0000193-87.2022.5.06.0313; Quinta Turma; Relª Min. Morgana de Almeida Richa; DEJT 17/11/2023; Pág. 2582). Exclusividade Magister Net: Repositório autorizado On-Line do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009.
85724341 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DESCABIMENTO. 1. Nulidade. Negativa de prestação jurisdicional. Decisão contrária aos interesses da parte não importa negativa de prestação jurisdicional, não havendo que se falar em ofensa ao art. 93, IX, da Constituição Federal. 2. Vínculo de emprego. Não configuração. Representante comercial. Ausência de registro no órgão competente. Irregularidade formal. 2. 1. O tribunal regional, ao examinar o conjunto probatório constante dos autos, entendeu que o autor detinha autonomia na direção de suas atividades, inexistindo subordinação jurídica na prestação de serviços, razão pela qual considerou não haver vínculo empregatício entre as partes, ainda que ausente a formalidade para contrato de representação comercial. 2.2. Ressalte-se que a jurisprudência desta corte segue no sentido de que a ausência de inscrição do representante comercial no respectivo conselho regional é irregularidade formal, que não possui aptidão para, por si só, afastar a incidência da Lei nº 4.886/65 e, por conseguinte, caracterizar a relação empregatícia pretendida. 2.3. Nesse contexto, impossível vislumbrar-se afronta aos arts. 2º e 27 da Lei nº 4.886/65, tampouco divergência jurisprudencial. Eventual acolhimento das arguições da parte implicaria, inevitavelmente, o revolvimento dos fatos e prova dos autos, procedimento incompatível com a fase extraordinária em que se encontra o processo, nos termos da Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TST; AIRR 0010766-03.2017.5.15.0058; Terceira Turma; Rel. Min. Alberto Bresciani; DEJT 14/05/2021; Pág. 3287). Exclusividade Magister Net: Repositório autorizado On-Line do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009
Como se observa nas decisões acima transcritas, alguns Tribunais Regionais do Trabalho consideram que, além das provas documentais e testemunhais apresentadas nos autos para a caracterização de representação comercial, o registro do representante no CORE é relevante, enquanto outros Tribunais, concebem que a falta da inscrição é irregularidade formal, ou seja, não é capaz de afastar a aplicação da Lei nº 4.886/1965 e caracterizar uma relação empregatícia.
Portanto, os fundamentos da decisão que reconhece o vínculo de emprego em ação ajuizada por representante comercial, se baseiam nas provas documentais e orais (partes e testemunhas), lembrando que cabe à empresa a comprovação de que o contrato havido entre as partes é de cunho civil, ou seja, de representação comercial.
Dessa forma, deve a empresa, sempre que possível, ao iniciar um contrato de prestação de serviços com o representante comercial, recorrer ao jurídico para sanar as dúvidas e possíveis transtornos causados por este tipo de contratação.
Conclusão
Pelo exposto, conclui-se que, apenas a ausência de registro no CORE é insuficiente para descaracterizar o contrato de prestação de serviços entre representante comercial e empresa.
Porém, a empresa deve-se atentar para que não seja configurado qualquer dos requisitos do artigo 3º da CLT, especificamente a subordinação do representante com gerentes, supervisores, diretores, impedindo assim, o ajuizamento de ação trabalhista do representante, objetivando o reconhecimento de vínculo e verbas que deste decorrem.
Por fim, para uma maior prevenção contra possíveis processos trabalhistas advindos de representantes comerciais, a inscrição no CORE, por vezes, poderá fazer a diferença que levará à improcedência da ação.
Bibliografia:
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho: aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943.
BRASIL. Lei nº 4.886, de 9 de Dezembro de 1965. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4886.htm.
LEX, Editora. Magister Net. Repositório autorizado de Jurisprudência. Tribunal Superior do Trabalho – nº 35/2009.