Leticia Pereira Suave
O presente artigo visa analisar o REsp 1.840.561, proferido em 03.05.2022, pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que estabeleceu que o condômino que ocupa o imóvel por si próprio, sem oposição dos demais coproprietários, possui legitimidade para pleitear a usucapião em seu próprio nome.
Entretanto, antes de abordar diretamente a questão da usucapião em condomínios, é imprescindível compreender a natureza jurídica dos institutos envolvidos.
O condomínio se caracteriza pela divisão de direitos de propriedade sobre um determinado bem entre duas ou mais pessoas, permitindo que os condôminos detenham frações ideais sobre o todo. Dessa forma, cada condômino possui uma quota-parte do bem comum, o que lhe confere o direito de uso e gozo do mesmo, proporcionalmente à sua quota.
A Usucapião é um meio originário de aquisição da propriedade, pelo qual uma pessoa obtém a propriedade de um bem por meio de sua posse prolongada e ininterrupta, desde que cumpridos os requisitos legais estabelecidos pela legislação em vigor. No contexto condominial, a questão da possibilidade de usucapir uma fração ideal do bem comum tem gerado controvérsias, especialmente quanto à necessidade de oposição por parte dos demais condôminos.
Inicialmente, o entendimento era que a usucapião não poderia ser reconhecida em favor de um dos condôminos em relação à parte comum do condomínio sem a oposição dos demais. Isso se deve ao fato de que a posse exercida por um condômino sobre a parte comum é detida em nome de todos os coproprietários, não sendo, portanto, uma posse exclusiva capaz de gerar usucapião.
Por outro lado, existe o entendimento de que a usucapião pode favorecer um dos condôminos quando este detém posse sobre a parte comum de maneira contínua e sem oposição dos demais coproprietários. Esse posicionamento se baseia na premissa de que, nessas circunstâncias, a posse se transforma efetivamente em exclusiva.[1]
Com o intuito de esclarecer as controvérsias em torno desse assunto, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp 1.840.561, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, estabeleceu o entendimento de que o condômino que detém a posse do imóvel por si próprio, sem oposição dos demais coproprietários, possui legitimidade para pleitear usucapião em seu próprio nome. Essa decisão foi tomada pelo colegiado ao confirmar o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que reconheceu o ex-cônjuge como parte legítima para ingressar com a ação de usucapião em seu próprio nome após a dissolução da sociedade conjugal, desde que demonstre posse exclusiva com animus domini e cumpra os demais requisitos legais exigidos.
Conforme destacado pelo relator, Ministro Marco Aurélio Bellizze, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabelece que, após a dissolução da sociedade conjugal, o imóvel comum do casal passa a ser regido pelas regras do condomínio, mesmo que a partilha de bens ainda não tenha sido realizada. Nesse contexto, o condômino que detém a posse por si próprio, sem oposição dos demais coproprietários, possui legitimidade para pleitear usucapião em seu próprio nome, desde que os demais requisitos legais tenham sido atendidos, afirmou o Ministro, citando vários precedentes do tribunal.
Em continuidade, dispôs que a posse de um condômino sobre o imóvel, exercida com ânimo de dono, ainda que na qualidade de possuidor indireto, sem nenhuma oposição dos coproprietários, nem reivindicação dos frutos que lhes são inerentes, confere à posse o caráter ad usucapionem, que legitima a procedência da usucapião, quando atendidas as outras exigências da lei.
Segundo as instâncias ordinárias, após o fim do matrimônio houve completo abandono, pelo recorrente, da fração ideal pertencente ao casal dos imóveis usucapidos pela ex-esposa, sendo que esta não lhe repassou nenhum valor proveniente de aluguel nem o recorrente o exigiu, além de não ter prestado conta nenhuma por todo o período antecedente ao ajuizamento da referida ação.
No entanto, é importante ressaltar que a possibilidade de um condômino adquirir a propriedade por meio da usucapião em nome próprio está sujeita a requisitos rigorosos e à análise detalhada das circunstâncias específicas do caso.
Dessa forma, embora seja possível que um condômino que exerce posse sem oposição do coproprietário pleiteie a usucapião em nome próprio, tal questão deve considerar os princípios legais aplicáveis e as particularidades do caso concreto.
[1] Pós-graduada em Direito Civil Contemporâneo pela Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG (2021). Advogada na área de cível contencioso. E-mail: leticia.suave@afmadvoc.com.br